São Paulo, segunda-feira, 27 de junho de 1994
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Canadenses criam terrorismo publicitário

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

No início de 1992, uma até então obscura revista editada em Vancouver (Canadá) passou a veicular uma curiosa campanha com a mesma imagem da vodca Absolut que vem sendo estampada na contracapa das principais revistas americanas nos últimos anos.
Em vez do habitual glamour os anúncios mostravam "o lado escuro do álcool". Diziam: "Absolut Hangover" (ressaca absoluta), "Absolut Non Sense" ou "Absolut Silence" (silêncio absoluto) sob a foto de um caixão ou de um homem num necrotério.
Os advogados da companhia de bebidas entraram imediatamente em ação com uma ameaça de processo contra o inusitado terrorismo publicitário através da paródia.
Em vez de baterem em retirada, os novos "terroristas" da mídia –ou "ambientalistas mentais", como preferem ser chamados– partiram para o combate escorados numa intensiva campanha de opinião pública.
"Fizemos uma tal publicidade em torno do caso, que eles desistiram do processo", disse Kalle Lasn, 50, à Folha, por telefone, de Vancouver.
O estoniano Lasn é presidente da Media Foundation e editor da revista "Adbusters" (Caçadores de Anúncios), responsável pela anticampanha da vodka Absolut, entre várias outras, que incluem o MacDonald's, a Benetton e os perfumes Calvin Klein.
"Pela primeira vez na história do capitalismo, o consumo descontrolado está se tornando um problema. As pessoas estão se dando conta de que o consumismo é a mãe de todos os problemas ambientais. Nós, da Media Foundation, queremos comprar essa guerra, queremos ser o Greenpeace do meio ambiente mental, e resistir", declara Lasn.
A Media Foundation nasceu há quatro anos por iniciativa de meia dúzia de ambientalistas revoltados ao perceberem que não conseguiam veicular suas mensagens ecológicas na mídia, nem pagando –obviamente muito menos do que pagavam as grandes companhias.
"Tentávamos salvar a velha floresta da Colúmbia Britânica (costa Oeste do Canadá). A indústria madeireira tinha uma grande campanha na TV, dizendo que estavam fazendo um trabalho maravilhoso com a administração e a exploração da floresta. Queríamos contar o outro lado da história", diz.
"Tentamos comprar espaço para veicular uma campanha na CBC (emissora estatal canadense) e eles se recusaram. Se a indústria madeireira lhes dá US$ 2 milhões para uma campanha e nós, apenas US$ 2 mil, eles não vão nos vender esse espaço. Decidimos criar a fundação e dar início à revista para lutar por uma democracia maior na mídia", afirma.
As tentativas dos ecologistas de veicular suas campanhas na TV foram frustradas também pelas grandes emissoras privadas no Canadá e nos EUA –ainda hoje redes americanas como ABC, CBS e NBC se recusam a vender espaço aos "ambientalistas mentais".
A causa acabou chegando à Suprema Corte do Canadá. "Nossos advogados dizem que deve levar entre dois e três anos. A primeira vitória será quando assegurarmos esse direito na Justiça. Se ganharmos, todos poderão comprar espaço publicitário na TV", diz Lasn.
Enquanto isso, as campanhas anticonsumistas da Media Foundation ficam reduzidas aos canais de acesso público (a cabo) e a algumas emissoras comunitárias.
"As emissoras comerciais não permitem a veiculação não só de uma campanha pela floresta como de tudo o que for anticonsumista. Porque a TV comercial se sustenta sobre o consumismo. Há uma dúzia de questões cuja verdade não aparece na TV comercial. É sobre essas questões que nos concentramos", diz Lasn.
Os militantes da Media Foundation, entretanto, não se consideram idealistas radicais. "Acreditamos num tipo de evolução da mídia. Hoje, na TV, temos cem por cento de mensagens comerciais dizendo compre, compre, compre. Quero ter dez ou 20% desse total para vender idéias em vez de produtos. Não estamos procurando uma mídia não-comercial. Mas se você só vende produtos, no fim estará matando o planeta. Acho que a TV deve ser um mercado livre de idéias", afirma Lasn.
Embora formada por apenas sete membros fixos e 50 free-lancers que ajudam nas campanhas, a fundação vai ganhando cada vez mais simpatizantes.
"Depois dos primeiros números da revista, encontramos outros ambientalistas nos EUA que estavam interessados em expandir o movimento ecologista para incluir o lado mental das coisas. Temos cerca de meia dúzia de campanhas de televisão. Muitas pessoas que viram essas campanhas e simpatizaram com elas nos mandam dinheiro para que possamos dar continuidade a essa antipublicidade", diz Lasn.
Cerca de 200 pessoas colaboram com as campanhas de TV e a revista através de E-mail (correspondência por computador) ou fax.
Artistas mandam material. Os dois grupos de criação –para anúncios impressos ou de TV– trabalham em colaboração com estudantes de escolas de artes gráficas em Londres e Nova York.
"Ultimamente recebemos muita ajuda de executivos da publicidade que se sentem culpados pelo que estão fazendo. Tenho a impressão de que dez por cento da categoria sentem que o que fazem não é muito moral", diz Lasn, que é cineasta documentarista e trabalhou durante anos com publicidade no Japão.

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