São Paulo, segunda-feira, 27 de junho de 1994
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Alianças políticas

FLORESTAN FERNANDES

As próximas eleições aumentaram as barganhas eleitorais, evidenciando o quanto os partidos estão empenhados em vencer, mesmo à custa de sua emasculação e da perda de qualquer identidade política. A propalada "saída pelo centro" permite tudo. Acoberta a direita e seu compulsivo propósito de bloquear a democratização das eleições.
Ela adquire faces falsas, através de coligações improvisadas. O centro conformista sofre múltiplas metamorfoses, na caça aos votos e nas tentativas de sustentar-se no topo, colado ao poder. Ele se desmoraliza e converte o voto em negação do exercício da cidadania.
A esquerda, convidada ao banquete eleitoral, também aceita o jogo. Anula-se como força política intransigente e contribui para desorientar as massas populares e alimentar a continuidade da pseudodemocracia!
Eis no que dão certas propensões políticas, que vêm do passado remoto e tolhem a existência e o vigor dos partidos autênticos. Que essa situação perdure até hoje representa um seguro de vida para a direita. Só ela sai ganhando, em um páreo no qual os votos são pescados em cardumes, como se fossem sardinhas. A democracia aparece como o que não é, em sua forma e conteúdo.
Há liberdade de "acordos" e surgem "programas" salvadores, mas o processo eleitoral perde seu significado político-democrático. O cenário prepara-se para dotar a direita, em suas irradiações, em fator de reprodução e fortalecimento das classes dominantes com suas elites. Os eleitores de centro e de esquerda complacente são industriados a penetrar na esfera do político como asseclas, conduzidos por líderes que confundem suas ambições com "o interesse geral da nação".
A República democrática desvanece-se no ato mesmo de votar, enquanto os privilegiados pulam de galho em galho e mantêm a "irresponsabilidade" do poder político estatal.
A esquerda sabe de tudo isso, e muito mais, o que não a impede das seduções do cultivo das "mudanças a partir de cima". Se o rato se acumpliciar com o gato ele nunca terá o êxito que o protege nos desenhos de Disney –estará fadado a matar a fome do parceiro.
Uma coisa é assumir ligações que fortaleçam as pressões de baixo para cima. Outra, muito diferente, é estabelecer elos com os inimigos da democratização da sociedade civil, da universalização da cidadania e da igualdade racial, da reforma do Estado, da organização do trabalho assalariado, da propriedade da terra e do solo urbano, da revolução educacional etc. O que atende aos pobres, aos trabalhadores e aos excluídos aflora como puro veneno para os "liberais" e os "radicais" de ocasião, à direita ou no centro.
Precisamos refletir sobre a natureza do sentido político das composições eleitorais entre partidos antagônicos. A união de contrários redunda em fraturas dos partidos de esquerda e de suas funções em uma sociedade capitalista.
Já que ainda não é possível promover uma frente única sólida à esquerda, deve-se pelo menos reforçar a sua capacidade estratégica de não confundir o voto com o eleitor.

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