São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 1994
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Estoques e segurança alimentar

PEDRO DE CAMARGO NETO

Os países ricos desenvolveram todo um conjunto de instrumentos econômicos de intervenção nos mercados agrícolas
Estes instrumentos podem ser divididos em dois grandes grupos: os que procuram a estabilização do abastecimento e produção e os que isolam, em maior ou menor grau, o mercado interno, protegendo a produção da concorrência mundial.
As alegações para proteger um mercado agrícola reservando-o para o setor produtivo interno são diversas. Risco de embargos internacionais, desvantagens comparativas, considerações com a estrutura social urbano/rural.
Algumas são compreensíveis, outras nem tanto. Práticas protecionistas referem-se a diversos tipos de barreiras alfandegárias, tarifárias ou não. Foi a grande questão de acesso aos mercados que paralisou por tanto tempo a rodada do Uruguai no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt).
O segundo grupo de instrumentos de intervenção foi criado na procura da estabilização da produção. O campo possui uma característica que o difere do processo industrial. Planta-se em função do comprimento dos dias e da qualidade de luz recebida. A água vem no momento que a natureza desejar na maioria das produções. Produz-se em safras e não de acordo com a demanda. Variações e concentrações da oferta aliadas à elasticidade provocam grandes variações nos preços.
A compreensão do processo rural levou os países ricos a procurarem preços estáveis e abundância de oferta através de intervenções. Ao agricultor ofereceram uma redução no risco de mercado e ao consumidor, abastecimento a preços estáveis.
O modelo de política agrícola que a sociedade brasileira deseja está ainda para ser definido. As intervenções de estabilização e proteção são extremamente deficientes.
Os instrumentos de proteção do setor à concorrência externa praticamente inexistem. As alíquotas de imposto são sempre as mais baixas nas ocasiões em que as maiores importações ocorrem. A proteção contra a concorrência desleal de produto subsidiado é ainda incipiente. A imagem que importar produto agrícola barato é sempre bom predomina. A análise de que isto possa prejudicar a economia é relegada a segundo plano.
Como tentativa de sistema de estabilização nos mercados, temos a política de garantia de preços mínimos. A política tem sido apresentada, salientando o preço mínimo. A contrapartida –a garantia ao consumidor (o preço máximo)– tem sido ignorada. É importante observar que toda a motivação para uma política de estabilização é a segurança do abastecimento.
É o lado do consumidor que fornece a justificativa para os gastos do Tesouro, que uma política de intervenção neutra entre produtor e consumidor gera. O lado do preço máximo, chamado de Preço de Liberação de Estoque (PLE), está um total fracasso. A atual metodologia de cálculo está equivocada. Para diversos produtos alcançam-se valores, quando não inferiores aos respectivos preços mínimos, insuficientes para viabilizar uma faixa consistente. Ter um máximo, que pode ficar abaixo do mínimo, só pode estar errado.
Outro conceito, este novo que precisa ser implementado, refere-se à compatibilização da política de comércio exterior com a política agrícola. É preciso fornecer uma ligação entre a fixação de alíquotas de imposto de importação com a faixa de preços determinada pelos preços mínimos e máximos.
Não tem lógica o governo ser obrigado a comprar do agricultor brasileiro no preço mínimo e facilitar a entrada do produto estrangeiro, pressionando ainda mais o nacional para baixo. Não tem sentido –uma vez que o governo garantiu ao agricultor o preço mínimo, através da compra ou empréstimo de comercialização– ficar impedido de vender o produto em função da concorrência do estrangeiro. É necessário compatibilizar o comércio exterior, através do imposto de importação, com a intervenção no comércio interno, através da política agrícola.
A sociedade precisa definir. Se deseja uma política de intervenção (com estoques públicos, mínimos e máximos) deve realizar isto de maneira competente. A vertente internacional não pode ser ignorada. O que existe hoje é um absurdo pois acaba acarretando sérios prejuízos aos agricultores e ao Tesouro. A venda dos estoques públicos tem ficado inviabilizada pela concorrência do produto estrangeiro. Os Empréstimos do Governo Federal (EGFs) não atingem liquidação no mercado pela facilidade com que os produtos estrangeiros entram na entressafra. O Tesouro está arcando com elevada despesa em função desta inconsistência.
Caso desejem liberar o comércio exterior de maneira total, será conveniente retirar também a garantia do preço mínimo. O agricultor poderá inclusive optar por não plantar estes produtos, ficando o abastecimento por conta do instável mercado internacional. É preciso porém compatibilizar as duas políticas. Será parte importante de uma verdadeira política de segurança alimentar.

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