São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 1994
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O emprego e o reino dos céus

LUÍS NASSIF

O artigo de Betinho, publicado na edição de ontem (sobre a crise da Varig), é oportuno por permitir uma discussão mais aprofundada sobre o tema do desemprego.
Em síntese, Betinho reclama do fato de o governo emprestar dinheiro para que a Varig possa demitir 10 mil de seus 25 mil funcionários. Lembra que a empresa é uma fundação de empregados e, como tal, deveria zelar pelo emprego.
(Na verdade, a Varig pretende reduzir seus efetivos de apenas 25 mil para cerca de 23 mil, considerado insuficiente por especialistas. Julgam eles ser fundamental um enxugamento mais drástico, com a venda de empresas não relacionadas com sua atividade fim. Parte destes presumíveis 10 mil demitidos inclui funcionários que continuariam trabalhando nas empresas a serem vendidas, dentro de um verdadeiro plano de ajuste.)
Nas políticas públicas e na vida pessoal, a idealização de situações em geral é um convite à contemplação. É uma não-ação. Quer-se o melhor dos mundos, não o mundo possível. É posição que denota bons sentimentos, mas não resulta em ações efetivas.
A maneira como Betinho coloca a questão do emprego enquadra-se nas práticas desmobilizadoras –ao contrário da maneira como encara a questão da miséria.
Quem paga?
A Varig tem que manter seu quadro de funcionários. Ótimo! Só que tem-se uma equação prévia, que precisa ser resolvida: a rentabilidade da companhia não permite manter sua estrutura atual. Qual a solução que Betinho propõe para este problema?
Uma alternativa seria fechar novamente o mercado aeronáutico, permitindo que os preços das passagens aéreas subam para suportar os níveis de incompetência das companhias aéreas. Nesse caso, a conta da incompetência seria paga por todos os usuários de serviços aéreos.
A segunda alternativa seria o governo aportar recursos à companhia, saneando-a financeiramente. Obviamente, seria um paliativo, postergando ajustes com dinheiro público, em um país que não dispõe de recursos sequer para combater a mortalidade infantil.
Se Betinho apresentar uma só solução que não faça a conta recair sobre os contribuintes e/ou os consumidores, nem desvie recursos das áreas sociais, ganhará não apenas o Nobel da Paz, como o da Economia, e alcançará o reino dos céus.
Miséria, fome, mortalidade infantil, são questões emergenciais, prioritárias, que exigem dinheiro público imediato e reforma na estrutura do Estado voltada para a área social.
Já na questão do emprego, não existe saída fora da eficiência. Para ser eficiente e sobreviver no Brasil a indústria automobilística desempregou. Poucos anos depois, saiu da estagnação e volta a investir e a criar postos de trabalho. Definitivos.
O navio justiceiro
Nos últimos meses, caiu o preço do cimento em URV. O mérito não é de Itamar, do Cade ou do Procon. Mas de um navio fundeado no porto de Santos, impávido e silencioso como um justiceiro de gibi.
Executivos da Cragnotti perceberam as altas margens de lucro das empresas do setor, alugaram o navio e passaram a fazer compras no mercado internacional.
Fixaram um preço de venda do produto, que acabou se constituindo nos últimos meses no teto do mercado. É só a indústria ultrapassar esse teto, para os executivos aumentarem suas vendas para o mercado interno.

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