São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 1994
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Quem acredita no Cyborg?

MIGUEL JORGE

No Brasil, alguns ainda acreditam que as importações indiscriminadas de veículos sejam pressuposto da modernização e transformação do país. Supõem que terão um Brasil mais sofisticado, atualíssimo, com mais qualidade de vida e maior taxa de crescimento. Imaginam a modernidade dos países industrializados, esquecendo-se de que seus processos de crescimento ocorreram em contextos históricos completamente diferentes.
Se pudessem, importariam o Cyborg e o Robocop, heróis de ficção cujos corpos e cérebros foram construídos em laboratórios, para ajudarem a resolver nossos problemas domésticos. Mas o que esses tecnocratas estão realmente promovendo, talvez até ingenuamente, é um crescimento desigual e discriminatório, um verdadeiro atraso para o país.
Importar veículos não é uma atividade boa ou má em si mesma –depende do que se importar, como se importa, quando se importa. O problema é que hoje, no Brasil, importa-se sem nenhum estudo e nenhum planejamento, sem base numa política industrial, pois ela nem existe. Importa-se à custa dos que pagam impostos, criam empregos, geram riquezas.
Mais grave é isso ocorrer quando aumenta a demanda de carros novos, um dos poucos aumentos em 15 anos e que, sem dúvida, deveria ser fundamental para quem produziu aqui durante os anos ruins (por que os que hoje querem nos vender carros não instalaram suas fábricas no Brasil nos anos 80, quando o desemprego era terrível e o país precisava tanto de investimentos que gerassem riqueza? Por que não se arriscaram nos tempos das vacas magras?).
Situações desse tipo deveriam preocupar muito o governo, numa fase de economia intensiva na qual se pretende ingressar a curto prazo. Experiências do Primeiro Mundo mostram ser inconcebível importar veículos indiscriminadamente, enquanto a indústria local monta uma sólida base para atender a demanda interna. A Comunidade Econômica Européia não se envergonha, absolutamente, de proteger os setores fundamentais de sua economia, entre eles o automotivo.
É preciso lembrar que o Brasil avançou uma década em apenas dois anos, quando os preços de alguns modelos de veículos chegaram a cair até 42% em dólar, enquanto a venda interna aumentou 43% –para 1,06 milhão de unidades em 1993, devendo crescer ainda mais este ano. Nos últimos três anos, foram lançados mais modelos novos que em toda a década de 80!
O setor automotivo puxou setores básicos da economia: a indústria de plásticos reagiu à crise, as siderúrgicas têm batido recordes de produção, o consumo de energia elétrica aumentou, a indústria de transformação, como um todo, saiu da asfixia.
Mas, em economia, quem erra paga caro. O Brasil certamente está errando ao permitir a importação indiscriminada de veículos, que só gera empregos em países ricos e não exige investimentos produtivos. Ao contrário, leva para fora o dinheiro arduamente ganho pelos trabalhadores brasileiros, que pagarão assim os salários de europeus, japoneses, coreanos etc.
A história e os fatos mostram que esta importação sem controle e sem lei não é alternativa adequada para nenhum país que luta para atingir potencial industrial moderno, complexo e diversificado.
Indicam, ao contrário, que as importações devem ser mais seletivas, concentrando-se em máquinas e equipamentos que permitam a recuperação do atraso ou que tragam para o país produtos que não se consegue fazer aqui.
Entre 1978 e 1981, os três grandes fabricantes dos Estados Unidos eliminaram 200 mil empregos diretos por causa da invasão dos carros japoneses. Em contrapartida, o Japão vende seus veículos para o mundo inteiro, enquando resguarda seu mercado interno da investida dos produtos estrangeiros (apenas 3% do mercado!). A Coréia, apoiada num mercado interno de rápido crescimento e altamente protegido, aumenta suas exportações para onde puder.
Enfim, todos fazem o que devem fazer para não desmantelarem seus parques industriais e suas economias internas. Porque, claro, nem todo mundo acredita no Cyborg ou no Robocop como símbolos de modernidade.

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