São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 1994
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Sexo e razão brigam em 'O Processo do Desejo'

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar de sua irregularidade, o italiano Marco Bellocchio tem um mérito inegável: é um dos poucos diretores europeus oriundos dos "cinemas novos" dos anos 60 que não aderiram à pasteurização da linguagem nos 80 e 90. Seus filmes continuam inquietos e originais, mesmo que nem sempre sejam bons ou agradáveis.
Mas essa virtude tem-se tornado um problema em seus últimos filmes, pelo menos desde "O Diabo no Corpo" (1987), por um fato muito simples: Bellocchio transformou em roteirista e co-autor deles seu próprio psicanalista, Massimo Fagioli. Com isso, seu cinema tornou-se frequentemente pesado, discursivo, "de tese".
No caso de "O Processo do Desejo", talvez seu melhor trabalho dessa safra, o diretor chega a um paradoxo: ao contar a história de um processo por estupro, faz o elogio da irredutibilidade do desejo a categorias morais ou intelectuais, mas o faz recorrendo justamente a um discurso absolutamente racional e intelectual.
O filme discute a tênue fronteira entre a sedução e a violência sexual a partir da relação erótica fortuita entre dois estranhos: uma jovem (Claire Nebout), que ficou trancada num museu após seu fechamento, e um arquiteto (Vittorio Mezzogiorno) que detém, sem que ela saiba, as chaves do lugar.
Depois das cenas do encontro entre os dois, seguem-se as sessões no tribunal em que o arquiteto responde à acusação de estupro.
Entra aqui em cena um terceiro personagem importante: o promotor público (Andrzej Seweryn), cuja fúria contra a suposta violação da moça trai, na verdade, uma profunda frustração sexual –que ficamos conhecendo graças a flashes de sua infeliz vida conjugal.
Há inteligência e habilidade na condução desse drama –que envolve ainda um quarto personagem, a carente mulher do promotor, mas é tudo muito explícito, verbalizado ao extremo.
Na tensão entre o desejo e a palavra, em suma, Bellocchio faz a defesa do primeiro, mas sucumbe ao peso da última. Chega a haver uma certa infantilidade –se não for demagogia– na sugestão de uma cumplicidade entre as duas mulheres e de sua superioridade sobre os personagens masculinos.
Isso não impede Bellocchio de colocar personagens sustentados por um afinado elenco, diante de situações dramáticas cruciais.

Vídeo: O Processo do Desejo
Produção: Itália, 1992.
Direção: Marco Bellocchio
Elenco: Claire Nebout, Vittorio Mezzogiorno e Andrzej Seweryn
Lançamento: Top Tape (tel. 011/257-6300)

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