São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 1994
Próximo Texto | Índice

O presidente sob pressão

IVAN MOURA FÉ

No dia 15 de junho, afirmei à imprensa que o presidente da República tem estado submetido a pressões dos grandes grupos que administram planos e seguros de saúde. E disse por quê. Há mais de três meses está na Presidência da República uma minuta de decreto que obriga os planos e seguros de saúde a atenderem todas as doenças. E o presidente não a assina, nem explica por que não o faz.
A minuta reproduz os princípios da resolução 1.401/93, que o Conselho Federal de Medicina aprovou a 24/11/93, com extraordinário apoio da sociedade e que foi reconhecida pela Justiça como legítima. Atualmente, ela está em pleno vigor em todo o país, graças a liminar da 15ª Vara Federal do Distrito Federal.
A imprensa procurou saber o destino da minuta e as respostas foram sempre vagas. Enquanto ela mofa no Gabinete Civil, vicejam boatos sobre a queda do ministro Henrique Santillo, que teve a sensibilidade de preocupar-se com tão angustiante problema.
Após minhas críticas ao presidente, o ministro Henrique Hargreaves, do Gabinete Civil, enviou-me uma carta-reprimenda, em que rechaça minhas críticas e tenta, apressadamente, explicar o que não explicou nos três meses que teve para fazê-lo.
Relata uma história confusa. Depois de fazer a minuta retornar ao Ministério da Saúde para avaliação jurídica, o Gabinete Civil a enviou, "embora constatada a inconstitucionalidade em vários pontos", ao Ministério da Fazenda. Para quê? Por acaso o Ministério da Fazenda é órgão avaliador da qualidade do atendimento médico no Brasil?
Não: a minuta foi enviada ao Ministério da Fazenda para que fosse ouvida a Susep (Superintendência de Seguros Privados). O sr. Hargreaves não explica por que ouvir a Susep numa questão que envolve qualidade de atendimento médico; afinal, trata-se de um órgão normativo de seguros.
Ele não explica, mas eu explico: a Susep empenhou-se na luta contra a resolução 1.401/93. Fugindo a suas atribuições e adotando uma posição parcial, expediu uma equivocada circular contra a resolução 1.401. Seus esforços desesperados para proteger os grupos de seguro-saúde desabaram na Justiça. Fica fácil, portanto, adivinhar o que a Susep vai opinar sobre a minuta de Santillo.
O sr. Hargreaves rotula minhas críticas ao presidente de "injustas e descabidas". Aqui, eu as reitero. O presidente da República teve oportunidade ímpar de resolver esse grave problema da sociedade e rateou; preferiu escudar-se em frágeis digressões e em tecnicalidades desprezíveis para adiar a solução.
Então, não há como fugir: ou ele está pressionado pelos grandes grupos econômicos do setor ou está negligenciando o urgente interesse da sociedade.
A questão é candente: estão aí inúmeros doentes com Aids ou com necessidade de transplantes, a quem os planos e seguros de saúde negam atendimento.
A sociedade não suporta mais omissões; não admite que o governo siga se comportando como nas recentes e gravíssimas denúncias sobre mortalidade infantil: só depois de surpreendido pelos números, anuncia tardias providências.
O sr. Hargreaves diz que a minuta é inconstitucional e que a matéria deve ser objeto de lei complementar. Abstraio o fato de que o forte deste governo não é exatamente saber o que é constitucional e o que não é –haja vista a recente MP das mensalidades escolares e dezenas de outros pífios exemplos.
Vamos que o ministro tenha razão e a minuta de decreto seja inconstitucional –eu insisto em que não é. Por que o presidente, em vez de impor-lhe uma tramitação inútil, num órgão suspeito para opinar, não fez o que lhe aconselharia o bom senso –enviar logo ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar a respeito? Esta era a resposta que eu poderia esperar do ministro Hargreaves.

Próximo Texto: O deputado está mal de memória
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.