São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 1994
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O deputado está mal de memória

SILVANO RAIA

"Pacientes em estado grave espalhados em colchonetes pelo chão, recepções que se transformam em enfermarias improvisadas, homens e mulheres gritando por socorro inutilmente, gestantes que caminham em torno do hospital à espera do momento de dar à luz, quando finalmente podem ser internadas."
"Caos atinge hospitais municipais" –reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" (14/07/89)– retrata através do texto acima, o "quadro cuja dramaticidade faz lembrar o caos que sucede as grandes tragédias". No caso, a tragédia foi a gestão petista em São Paulo, cujo secretário da Saúde, deputado federal Eduardo Jorge, agora tripudia da inteligência dos leitores da Folha, apostando no axioma de que este é um país sem memória.
Em artigo nesta seção ("O prefeito vai mal de saúde", 27/05/94), ele tem o despudor de fazer comparações, no setor de saúde, entre a atual administração e aquela de que fez parte.
A rede municipal de saúde recupera-se lentamente da tragédia de uma gestão partidarizada, refém do corporativismo e vítima da incompetência. Esta constatação pode ser feita por qualquer observador isento. Veja alguns exemplos:
1989: "Como sobreviver a estes hospitais?", o "Jornal da Tarde" (13/07/89) revela que no Hospital do Tatuapé o esgoto pinga do teto e pacientes são atendidos no chão; "Médicos avaliam hospital do Jabaquara como o pior", Folha de 4/10/89, informa que uma comissão do Sindicato dos Médicos, APM (Associação Paulista de Medicina) e CRM (Conselho Regional de Medicina) encontrou doentes abandonados por sete dias em macas nos corredores.
1990: "Pacientes se revoltam contra hospital municipal" (Folha, 23/01/90); "Quatro mortos no dia em que os médicos cabularam o plantão" ("Jornal da Tarde", 23/01/90); "Enquanto médicos viam jogo, a paciente morria" ("Diário Popular", 12/06/90); "Erundina inaugura hospital sem funcionários" (Folha, 17/11/90); "Ermelino Matarazzo fica fechado por briga no PT" ("Diário Popular", 11/11/90).
1991: "Todos os hospitais inaugurados por Erundina funcionam pela metade" (Folha, 22/08/91); "Falha médica: mais um caos nas mãos da polícia" ("Jornal da Tarde", 6/04/91); "Caos completo em hospital de Itaquera" ("Diário Popular", 10/03/91).
1992: "Menina espera 43 horas por atendimento" ("Folha da Tarde", 8/09/92); "Médico falta ao plantão e o contribuinte morre" ("Diário Popular", 27/01/92); "Mais uma denúncia de falta de medicamentos" ("Diário Popular", 15/04/92).
Essas reportagens, parte ínfima de quatro alentadas pastas com mais de 200 recortes, testemunham que "enquanto a tendência PT Vivo de Luiza Erundina" disputava o controle da "máquina" com a "Vertente Socialista", da cúpula da Secretaria Municipal de Saúde, dramas como o da menina Daniela, de 13 anos, eram cotidianos: atropelada no sábado à noite, foi levada para o Hospital do Tatuapé, onde ficou em uma maca, à espera de vaga na UTI; às 15h de domingo foi removida para o Hospital do Jabaquara e duas horas depois levada de volta ao Tatuapé para a mesma sala de emergência; na segunda-feira, 43 horas após o início da via crucis, ainda não havia sido atendida ("Folha da Tarde", 11/09/92).
Restabelecida, ao menos parcialmente, a verdade do que foi o caos petista na saúde, vamos aos fatos recentes:
* A "inauguração" do Hospital de Vila Maria (29/12/92) foi uma fraude. Não houve criação de cargos, nem tabela de lotação de pessoal. Estamos fazendo um convênio com a Escola Paulista de Medicina para que o hospital possa funcionar.
* O tomógrafo do Hospital de Campo Limpo não foi instalado por falta de espaço físico. Problema semelhante ao do sistema de ar-condicionado do Hospital Ignácio Proença de Gouvêa: depois de comprado e instalado, no governo petista, descobriram que a capacidade da rede elétrica não suportaria o seu funcionamento.
* O Centro de Orientação a Doenças Sexualmente Transmissíveis não foi e não será desativado, como afirma irresponsavelmente o deputado. Funciona normalmente, atendeu 18.196 pessoas em 93, promovendo 7.776 palestras. Até maio de 94 foram 6.231 atendimentos e 3.016 palestras.
* Também o Programa de Saúde Mental está e será mantido nas suas linhas básicas de desospitalização e atendimento de urgência.
* Continua grave a falta de recursos humanos, em especial nos plantões. Estamos enviando à Câmara Municipal um projeto de lei que destina gratificação expressiva aos plantonistas de emergência nos fins-de-semana, desde que sem faltas no período.
Este retrato da saúde no município completa-se com alguns dados sobre o SUS –Sistema Unificado de Saúde. Em 93, a União investiu US$ 14 "per capita". O Estado dá entre US$ 14 e US$ 18. A prefeitura, em São Paulo, entra com a maior parte: US$ 56. Ainda assim, somando as três parcelas, não se chega a US$ 100 anuais. Nos EUA, o governo investe em saúde entre US$ 2.000 e US$ 2.200 "per capita" ao ano.
A prefeitura não pode, evidentemente, controlar a inflação, acabar com o desemprego e melhorar a distribuição de renda, fatores que afetam a saúde pública. Mas pode e está fazendo, com a determinação do prefeito Paulo Maluf, um esforço para buscar caminhos que superem a ineficiência crônica do Estado.
Que tragam melhores salários aos médicos, o fim do absenteísmo e da falta de motivação. O que não pode ser admitido é um hospital como o de Campo Limpo gastar US$ 240 por leito/dia, enquanto um hospital particular de primeira classe gasta apenas US$ 180.
Para tentar mudar esse quadro de vergonha nacional a partir de São Paulo, a Secretaria Municipal de Saúde elaborou o projeto de Campo Limpo e procurou entidades idôneas, de elevado nível técnico, como a APM, a Escola Paulista de Medicina e a Santa Casa para o estabelecimento de um novo sistema de gerenciamento de hospitais. Os que levaram a saúde pública ao fundo do poço poderiam contribuir, ao menos, com a dignidade do silêncio.

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