São Paulo, quarta-feira, 29 de junho de 1994
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Marcos Valle brilha na última dentição da bossa

RUY CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os dois primeiros discos do cantor e compositor Marcos Valle saem finalmente em CD, completos, pela coleção "Dois em Um" da Emi-Odeon. O primeiro, "Samba Demais", gravado em 1963, foi lançado no ano seguinte; o segundo, "O Cantor e o Compositor", em 1965. Estavam fora de catálogo há pelo menos 25 anos e eram disputados nos sebos pelos fãs de bossa nova.
Entre as 24 faixas do CD, estão canções hoje clássicas, mas que na época eram novidade, como "Vivo Sonhando", de Jobim, "Ela é Carioca", de Jobim e Vinicius, e "Moça Flor", de Durval Ferreira e Lula Freire. Ao cantar outros compositores, Valle mostrava que, se quisesse, poderia seguir uma carreira de cantor. Mas o forte desses discos eram as suas próprias canções, em parceria com seu irmão e letrista Paulo Sérgio.
Marcos e Paulo Sérgio Valle fizeram parte do que se poderia chamar de a terceira e última dentição da bossa nova, surgida em 1963. Com eles surgiam também Edu Lobo, Dori Caymmi, Carlos Alberto Pingarilho, Francis Hime e, claro, Eumir Deodato. Era uma geração brilhante, todos com cerca de 20 anos, e os irmãos Valle foram os primeiros a estourar comercialmente, com "Sonho de Maria".
A provar que, naquela época, havia vida inteligente nas FMs brasileiras, elas passavam o dia tocando 25 belezas desses discos, como "Passa Por Mim", "Seu Encanto", "Ainda Mais Lindo" e "Dorme Profundo", o suingado "Gente" e o esfuziante "Samba de Verão". Este último iria logo para as paradas americanas, na gravação do pianista brasileiro Walter Wanderley.
O grande sucesso, no entanto, era "Preciso Aprender a Ser Só", uma das poucas letras de dor-de-cotovelo da bossa nova. Se, entre tantas canções otimistas e ensolaradas daquele período, o povo preferia essa, conclui-se que o brasileiro gosta mesmo é de exaltar o próprio chifre –o que explica que, na MPB, até hoje, a música brega seja mais difícil de manter do que Rasputin.
Foi um tempo também em que o amor, o sorriso e a flor começavam a ser vistos pelas esquerdas como agentes do imperialismo americano –e os irmãos Valle, urbanos e românticos como seus ouvintes, deram uma exemplar resposta a esse mau humor com uma canção intitulada, justamente, "A Resposta".
Outro trunfo deste CD é a sofisticação e excelência dos arranjos, a cargo de Eumir Deodato, para não falar dos músicos por trás de Marcos Valle. Ali estava o primeiro time dos instrumentistas brasileiros, como os saxofonistas Meirelles, Cipó, Aurino e Jorginho, o flautista Copinha, o trombonista Edson Maciel, os bateristas Wilson das Neves e Dom Um etc.
Coisa rara hoje: um cantor jovem, vários compositores e um escrete de músicos produzindo grande beleza num formato que, então, achava-se que não iria morrer nunca –o samba.

Título: Marcos Valle - Dois em Um
Artista: Marcos Valle
Gravadora: Emi-Odeon
Quanto: 18 URVs (o CD, em média)

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