São Paulo, quarta-feira, 29 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Laura Vinci recupera a aura da escultura

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Exposição: Laura Vinci
Quando: a partir de hoje, às 20h, até 26 de julho
Onde: Galeria Camargo Vilaça (r. Fradique Coutinho, 1.500, vila Madalena, zona oeste, tel. 011/210-7390)

Num mundo onde as instalações passam cada vez mais a englobar e substituir a idéia de artes plásticas, as dez esculturas de Laura Vinci, 32, expostas a partir de amanhã na galeria Camargo Vilaça, são corpos estranhos e perturbadores.
"A instalação dramatiza o espaço. Aqui é o contrário. O espaço é silencioso, vazio", diz Vinci, entre suas peças de ferro fundido.
No belo texto que escreveu para o catálogo da exposição, o crítico Lorenzo Mamm diz que essas esculturas não criam um espaço mas apenas pontuam o que já existia mas não podia ser visto sem elas.
Vinci começou pintando e só em 1990 passou à escultura. "Eram pinturas verticais, com sulcos. Tirei as esculturas desses sulcos. Eu queria pintar entre a superfície visível e a tela, como se fosse uma carne. Estava atrás de uma coisa impossível na pintura", diz.
Vinci sempre sentiu-se mais atraída pela escultura. "Agora, que não pinto mais, acho a pintura um verdadeiro mistério", diz.
Como se suas esculturas não fossem misteriosas. É difícil ignorar a aura quase religiosa na presença solitária e silenciosa de cada uma dessas peças, como menires, monumentos de um tempo remoto.
As primeiras esculturas que Vinci expôs no Centro Cultural São Paulo, em 1991, eram mais verticais. "Começo no chão, vou colocando pedaços de argila e vou subindo. Mas acho que me desinteressei pela verticalidade, que era mais forte nos primeiros trabalhos", diz.
Foram essas primeiras peças mais compridas que levaram muitos a associar o trabalho de Vinci às figuras de Alberto Giacometti.
"Mesmo as esculturas mínimas do Giacometti têm volume. Elas têm bases de ferro. As minhas também têm um volume, mas diferente. Não é um volume do entorno. As minhas esculturas quase não têm volume", diz Vinci.
No texto que escreveu sobre o ateliê de Giacometti, o escritor francês Jean Genet diz que as obras do escultor provocam uma emoção análoga ao terror que sentiu quando se deparou com a estátua do deus egípcio Osiris na cripta do Louvre. Genet diz ao artista: "Uma das suas estátuas num quarto, e o quarto vira um templo".
As esculturas de Vinci provocam um outro tipo de espanto, ao mesmo tempo em que compartilham com as figuras de Giacometti o efeito religioso a que se refere Jean Genet.
São traiçoeiras. Foram feitas em ferro fundido a partir da forma original em argila. Pesam entre 150kg e 200kg. Vistas de determinado ângulo, parecem blocos sólidos, largos. Mas conforme o espectador as contorna, percebe que são muito finas. Tem a impressão de que qualquer vento pode derrubá-las. Parecem estar sempre por um triz da queda.
O espanto vem em parte dessa aparente incongruência –uma peça pesada e bruta por um ângulo e, ao mesmo tempo, fina e frágil por outro– mas também porque o ferro fundido preserva a aparência da argila originária.
As esculturas de Vinci trazem as marcas dos dedos. "A textura ficou mais forte nesta exposição. Quando você trabalha na argila tem uma coisa de mão. As formas nunca correspondem exatamente ao que eu tinha na imaginação. Quando elas passam a existir, ficam diferentes", diz.
A força das dez esculturas de Laura Vinci não vem apenas da aura quase religiosa de sua presença mas também de uma espécie de impressão arqueológica. Como menires, elas são a marca de uma memória perdida.
Alguém deixou ali a marca dos seus dedos. Mas agora, diante dessas esculturas, a idéia de que alguém deu existência às formas com suas mãos se perde em nome de uma outra percepção mais aguda. Porque são as formas que restam como os vestígios de uma existência.

Texto Anterior: Casais se divorciam e dividem pertences em frente às câmeras
Próximo Texto: Cinemateca comemora fim da Vera Cruz
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.