São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O fracasso de Bretton Woods

MARIA CLARA COUTO SOARES

O ano de 1994 marca o 50º aniversário de fundação do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional). Junto com o Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), estes organismos multilaterais ficaram conhecidos como instituições de Bretton Woods, nome da cidade onde realizou-se, em 1944, a conferência internacional que projetou a criação dessas instituições para restaurar o comércio internacional e ajudar a reconstrução das economias destruídas pela guerra.
Nesses 50 anos, não só o cenário internacional como o próprio papel definido para essas instituições mudou radicalmente.
O FMI, destinado a instaurar e a manter o equilíbrio do sistema financeiro internacional, se tornou incapaz de regular o capital especulativo –mais de US$ 1 trilhão que se move diariamente através das fronteiras– e de conferir estabilidade às principais moedas.
O Banco Mundial, que deveria financiar o desenvolvimento de longo prazo, agora é parceiro do FMI na implementação do brutal ajuste estrutural e imposto aos países em desenvolvimento, que resultou no que ficou conhecido como a década perdida dos 80.
O Gatt, destinado a incrementar os fluxos de comércio, assistiu nas últimas décadas o crescente protecionismo dos países industrializados.
Para além da inadequação desses organismos ao mundo atual, as principais críticas que hoje se acirram contra essas organizações radicam nos resultados desastrosos de suas políticas.
Estes têm financiado e promovido um tipo de "desenvolvimento" que aprofundou a concentração mundial da riqueza, acentuou as desigualdades nacionais, alastrou a pobreza e acelerou a destruição ambiental em escala global.
Os dados que comprovam esta triste realidade, os organismos de Bretton Woods detêm. Após 50 anos e mais de US$ 250 bilhões em empréstimos, há mais de 1 bilhão de seres humanos vivendo na mais absoluta pobreza, a disparidade de renda dobrou nos últimos 30 anos e hoje os 20% mais ricos detêm 83% do produto, 81% do comércio e 81% da poupança e do investimento mundiais.
Consultorias contratadas pelo próprio Banco Mundial mostraram o fracasso de quase 40% dos projetos que financiou no passado recente e comprovaram a degradação sócio-ambiental que grande parte deles promoveu. Apontaram, ainda, como uma das principais causas desse alto índice de fracasso, a ausência de consulta e participação locais.
O Banco Mundial, o FMI e o Gatt são instituições públicas que deveriam ter suas políticas submetidas a esferas públicas de decisão e ter a transparência necessária para serem avaliadas e monitoradas pelos cidadãos.
Recentemente, o Banco Mundial constituiu um grupo independente de inspeção para analisar queixas sobre seus projetos, iniciou uma nova política de informações e o Gatt organizou o primeiro seminário com a participação de ONGs.
Mas essas e outras mudanças em curso ainda são uma gota d'água face às transformações necessárias para que se alcance a democratização da gestão dessas organizações.
Tendo clareza da importância crescente dos organismos multilaterais do novo contexto internacional, ONGs, entidades ambientalistas e movimentos populares de diversas partes do mundo, têm assumido a luta por transformações radicais na estrutura e nas políticas das instituições de Bretton Woods.
Agora, por ocasião do 50º aniversário, diversas campanhas internacionais, seminários e manifestações públicas, estão sendo organizadas pela sociedade civil em mais de 15 países.
Estas iniciativas vêm dando o tom das mudanças recentes e vêm mostrando aos governos e principais atores econômicos, que está mais difícil tomar decisões sobre o rumo da humanidade em salas fechadas e distantes da participação popular.

Texto Anterior: Preço médio aumenta 10,27% na 3ª semana em São Paulo
Próximo Texto: Da URV ao real
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.