São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 1994
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Da URV ao real

ERNANE GALVÊAS

A moeda é um símbolo cuja criação se perde no tempo. Não foi inventada. Surgiu, como a roda, por uma contingência da vida em grupamentos humanos e pela prática das trocas de mercadoria.
Ao longo de séculos de experiência, verificou-se, como não podia deixar de ser, que existe uma estreita correlação entre a quantidade de moeda e os preços, ou melhor, entre a taxa de expansão da moeda e a alta dos preços. Se a quantidade de moeda aumenta mais que a produção, os preços sobem. Daí surge a noção de inflação, como sinônimo de alta de preços.
Quando se introduziu o papel-moeda, de início lastreado em reservas ouro (ou prata), a função da moeda como medida de valor e meio de pagamento não se alterou e assim continuou mesmo quando, nos tempos modernos, os bancos introduziram a moeda fiduciária, com base em uma reserva fracionária.
Sendo uma relação, quando as mercadorias sobem de preço, a moeda se desvaloriza na mesma proporção, eis que o valor da moeda é o inverso do índice geral de preços. A medida da inflação é feita pelos índices de preços, tais como o IGP, o IGP-M, o IPC, o INPC, apurados por diferentes instituições como a Fundação Getúlio Vargas, o IBGE, a Fipe, da Universidade de São Paulo, o Dieese e outros. Assim, a moeda é a medida de valor e os índices de preços são a medida de inflação. Moeda não é índice, índice não é moeda.
A URV, Unidade Real de Valor, é um índice destinado a medir a inflação, resultante da combinação de três índices de preços: o IGP-M da FGV, o IPCA-E, do IBGE e o IPC, da Fipe.
A URV é como se fosse o dólar, usado como índice. Diariamente, ambos mudam de valor, trocando-se por um número cada vez maior de cruzeiros reais, que se desvalorizam sucessivamente.
No dia 28 de fevereiro, uma URV e um dólar valiam CR$ 637,64; em 31 de maio, valiam CR$ 1.875,82. O cruzeiro real desvalorizou-se 194%, em três meses, o que significa dizer que, nesse período, os preços subiram em média 194%.
Quando entrar em vigor o real, não haverá mais cruzeiros para desvalorizar. Assim, a alta de preços, qualquer que seja ela, vai se traduzir em desvalorização do real.
A MP 434, transformada na lei nº 8.880, de 27/5/94, introduziu uma novidade surpreendente: deu ao índice de preços URV o caráter de moeda, como medida de valor. E, mais ainda, estabeleceu que o índice URV e a moeda (cruzeiro real) serão substituídos por uma nova moeda legal, o real. Nesse momento, acabará a URV e todo o sistema de indexação oficial.
O real, quando criado, será apenas uma moeda legal, de curso forçado. Não será índice de preços. O índice de preços, que medirá seu valor ou sua desvalorização será o IPC-r, a ser apurado pelo IBGE.
Essas considerações são relevantes para que se possa entender o sentido da relação entre moeda e preços. O valor do real vai depender, basicamente, da quantidade de reais que o Banco Central e o sistema bancário criarem, ou seja das emissões novas, adicionais, que forem feitas a partir de sua criação.
Cabe esclarecer, então, que no mundo moderno o conceito da moeda é muito amplo e compreende várias modalidades, que vão desde a moeda manual (papel-moeda e moeda metálica) mais os depósitos bancários à vista (moeda escritural), definidos estatisticamente com M1, até os depósitos de poupança, os fundos bancários, os títulos públicos etc., definindos como M2, M3 ou M4 e, até mesmo, as carteiras de ações.
O real moeda estará representado por todas essas formas de moeda e não apenas pelo papel moeda emitido pelo Banco Central. Assim, quando formos analisar as emissões da nova moeda, teremos que abranger todos os conceitos de M1 a M4.
O real será uma moeda estável ou não, dependendo da taxa de expansão desses agregados monetários. No primeiro momento de sua criação, poderá haver uma forte expansão de M1, com a correspondente redução de outros haveres financeiros, sem que se altere o valor do real. A sua desvalorização, entretanto, poderá ocorrer sempre que se expandissem com maior velocidade os agregados monetários, em seu conjunto.
Havendo expansão monetária é inevitável que ocorram altas de preços e, portanto, inflação. Não importa que as causas dessa expansão sejam o déficit público, a acumulação de reservas, os aumentos de salários acima da produtividade ou o excesso de crédito à produção. Todas são inflacionárias.
Resumidamente, só existe uma forma de estabilizar o valor do real: é controlar a expansão monetária. É por aí que se mede a austeridade do governo, a competência do Banco Central e a eficiência da política econômica.
É isso que nós brasileiros vamos assistir e acompanhar, a partir de 1º de julho.

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