São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 1994
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Cantor pode incluir bossa nova em show

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

A seguir, Mel Tormé fala sobre sua apresentação no Brasil, sua carreira e sobre seus cantores e compositores preferidos.

Folha - O sr. já tem alguma idéia de como será sua apresentação no Free Jazz?
Mel Tormé - Pretendo repetir o show que fiz com meu novo trio no Carnegie Hall (de Nova York), semanas atrás.
Folha - Que músicas o sr. apresentou no Carnegie Hall?
Tormé - Temas jazzísticos e baladas, como "Pick Yourself Up", "Opus One", "Stardust", "A Nightingale Sang in Berkeley Square". Talvez acrescente ao repertório alguma coisa de bossa nova. Talvez.
Folha - O sr. se sente mais à vontade acompanhado de um trio ou de uma orquestra?
Tormé - Tanto faz. Adoro trios, orquestras, até com orquestras sinfônicas já cantei. Desde que eu faça os arranjos, tudo bem.
Folha - Alguns críticos não o consideram um verdadeiro cantor de jazz. O sr. se incomoda com essa objeção?
Tormé - De jeito nenhum. As pessoas que pensem o que quiserem pensar. Se eu não fosse um "verdadeiro cantor de jazz" não teria chegado tantas vezes ao topo da lista dos "melhores cantores de jazz" das revistas especializadas.
Folha - De todos os grupos com os quais o sr. já se apresentou, qual o que lhe deixou as mais gratas recordações?
Tormé - O de Chico Marx, com o qual fiz minha primeira turnê pelo país. Comecei nele em agosto de 1942, como "crooner" e arranjador vocal. Um mês depois, completaria 17 anos. Era um grupo formidável, que infelizmente durou apenas um ano. Tinha Marty Napoleon ao piano, Marty Marsala no trompete, Barney Kessel na guitarra e George Wettling na bateria. Paul Weston e Fred Norman faziam os arranjos.
Folha - E o que é que Chico Marx (um dos irmãos Marx) fazia na banda?
Tormé - Ele entrava em cena duas ou três vezes, fazia o seu número humorístico e deixava a banda tocar o resto da noite.
Folha - O sr. contou ao crítico Whitney Balliett que, no começo de sua carreira, a cantora Sophie Tucker virou-lhe as costas durante uma apresentação. Essa história termina aí? Ela não se arrependeu depois que o sr. se transformou num dos cantores mais respeitados do mundo?
Tormé - Essa história aconteceu na noite de estréia de um show no Copacabana de Nova York, em 1947. Já tinha algum prestígio, já havia assinado contrato com a MGM para filmar "Good News" (no Brasil, "Tudo Azul") e pensei que ia abafar, mas não abafei. Pior ainda: tive de aturar a falta de educação de Sophie Tucker, que virou as costas para mim no início do show e assim ficou até o fim. Ela nunca me pediu desculpas. Nem teve tempo. Acho que morreu pouco depois do incidente.
Folha - Na verdade, ela só morreria quase 20 anos depois.
Tormé - Mas, de qualquer modo, ela sumiu de cena.
É bom dizer que o comportamento dela não era atípico. Muitos artistas de gerações anteriores à minha sentiam um ciúme doentio dos novos valores. No fundo, não eram mal-educados, mas inseguros. Apesar de velho, eu não me canso de admirar e incentivar os valores mais jovens.
Folha - Quais o sr. mais admira?
Tormé - Ah, muitos. Billy Joel, Stevie Wonder, Barry Manilow...
Folha - Certamente uma lista tão grande quanto a dos seus intérpretes favoritos da antiga?
Tormé - Sem dúvida. Meu gosto é bastante eclético. Adoro Ella Fitzgerald, a primeira do "ranking", e também Martha Raye...
Folha - A maioria das pessoas pensa que Martha Raye era apenas uma comediante. A gravação dela de "Once in a While" é um luxo.
Tormé - Maravilhosa interpretação.
Mas, como eu ia dizendo, sou eclético. Admiro Bing Crosby, Sinatra, Billie Holiday, Joe Williams, Ethel Waters, Leo Watson, Bon Bon Tunnell, Connee Boswell, o Harold Mills dos Mills Brothers, a Patti Andrews das Andrews Sisters, Ivie Anderson, June Richmond, Helen Forrest, Ray Charles, Helen Humes. Nossa! Poderia ficar listando gente até amanhã de manhã.
Folha - E de quem o sr. não gosta?
Tormé - Mildred Bailey, por exemplo, nunca me entusiasmou. Também não gostava do jeito de cantar de Jack Teagarden. Louis Armstrong, no final de carreira, me irritava os ouvidos.
Folha - O sr. não mencionou Judy Garland, de quem era grande amigo, a ponto de ter escrito um livro sobre ela.
Tormé - Ah, sim, claro. Por falar em livro, no último que escrevi, "My Singing Teachers" (Meus Mestres Cantores), eu rendo tributo a todos aqueles com os quais aprendi alguma ou muita coisa. Venho desde Bessie Smith até os dias de hoje.
Folha - E seus compositores prediletos?
Tormé - Letrista: Johnny Mercer. Músicos: Harold Arlen e Jerome Kern.
Folha - É verdade que Richard Rodgers tinha cisma com o sr.?
Tormé - Tinha. Eu o idolatrava, mas ele ficou chocado ao me ouvir mudar o fraseado de "Blue Moon". Rodgers não admitia que ninguém alterasse as suas composições. Quando David Frost fez um programa em sua homenagem, na TV, ele vetou não só a minha participação, mas também as de Sinatra, Ella e Peggy Lee.
Folha - Se o sr. fosse convidado para um show no céu, em homenagem a Deus, que música escolheria para cantar?
Tormé - "All the Things You Are".

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