São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 1994
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Paris inaugura hoje retrospectiva de Beuys

GENEVIÈVE BREERETTE
DO "LE MONDE"

Harald Szeemann é curador da mais completa retrospectiva do artista alemão Joseph Beuys (1921-1986) desde sua morte, que será inaugurada hoje no Centro Georges-Pompidou, em Paris.
A idéia causa polêmica pois Beuys considerava suas criações como ações individuais nas quais manifestava seus ideais sociais e políticos.
Diante de sua ausência, os críticos acusam as reuniões de seus trabalhos de serem apenas uma coleção destituída de significado.
Szeemann conheceu Beuys há quase 25 anos e colaborou com ele inúmeras vezes. Depois de ter montado exposições explosivas na Kunsthalle de Berna, este suíço de 60 anos é hoje um dos mais originais curadores independentes da Europa. Nesta entrevista ele defende sua fidelidade aos princípios de Beuys.

Pergunta - Pode-se expor Beuys sem Beuys?
Resposta - A idéia de que após sua morte não se poderia expor Beuys é uma uma grande asneira.
Beuys não é apenas o autor de uma teoria social, ele deixou obras importantes. E entre elas, há aquelas que podemos ainda deslocar.
Pergunta - Por exemplo?
Resposta - Não podemos mexer nas peças de Darmstadt, de Kassel, de Krefeld, de Stuttgart, ou de Schaffouse: não se toca mais nelas, as respeitamos, foi Beuys quem as instalou.
Mas, com a coleção de Erich Marx, com a de Bastian em Duisburg, com obras de Berlim, de Eindhoven, de Gand, de Paris, de Zurique e de outras cidades, eu tinha ainda os meios para fazer uma grande exposição Beuys e de dar fim à falação: é impossível montar alguma coisa, porque Beuys morreu, e porque ele não está aí para colocar as coisas no lugar.
Tudo depende de quem expõe e como. Beuys mesmo nunca disse eu exponho, mas eu ponho. É muito diferente.
Finalmente, a exposição foi aberta em Zurique no fim do ano passado, depois em Madri, e agora em Paris.
Pergunta - Então você "põe", três vezes?
Resposta - Em Zurique eu concebi a apresentação como um campo de energia. Eu construí cabanas para as obras que tinham necessidade de uma cobertura externa.
Para as outras, deixei o espaço aberto. Em Madri, um hospital antigo (o museu Rainha Sofia) foi bastante conveniente, pois Beuys era médico terapeuta.
As obras, isoladas em salas, adquiriam mais peso. No Beaubourg, trata-se de reformular o andar para reencontrar essa energia. A sala serve para isso.
A idéia geral, em todo caso, é a de fazer uma homenagem plástica a Beuys, que o faça reviver.
Pergunta - Como fazer Beuys reviver?
Resposta - Retomei uma idéia que me é cara: uma obra estética, antiga ou nova, é um organismo que respira. Este é meu ponto de partida.
Eu fui a Darmstadt ver como Beuys distribuía suas peças, e como elas tornavam-se autônomas. Eu quis que a energia que ele desejava transmitir através de suas obras fosse mostrada e, ao mesmo tempo, expor a evolução delas.
Pergunta - Sua exposição é também sua leitura particular de Beuys?
Resposta - Beuys podia querer alterar os limites da noção de arte, porque era, antes de tudo, um artista, antes de ser um teórico da sociedade, um político.
As posiçõe spolíticas que adotou influenciavam sua arte, que veicula sua utopia social. Isto os velhos critérios estéticos não podem explicitar.
Pergunta - Praticamente, como não trair Beuys, já que ele não está aí para instalar seu trabalho?
Resposta - Eu conheci Beuys durante 20 anos. Trabalhei bastante com ele. Vi como ele fazia intervenções na Documenta. Eu levo isso em conta.
Uma vez com o controle das obras à mão, foi necessário que eu estudasse caso por caso. Ver se tal peça tinha se tornado uma bela instalação, ou se ela só tinha como impacto a energia que Beuys quis transmitir. Ali, certamente, está em jogo a sensibilidade, a subjetividade do curador.
É preciso acrescentar a isso as condições do espaço da exposição. Beuys trabalhava com o espaço que lhe davam.
Quanto a mim, eu me viro para respeitar a última apresentação que Beuys fez de suas peças. Seus quadros negros, eu os apresento como ele quis da última vez que os instalou. Respeito exatamente a distância que ele pôs entre os quadros. Para o resto, o espaço em torno, a contribuição é minha.
Pergunta - Você se move entre reconstituição e interpretação?
Resposta - Acusaram as exposições de Berlim e de Dusseldorf de serem reconstituições arqueológicas. Eu não quis que fossem isso.
Concordo em respeitar até o último milímetro o espaço entre dois objetos posicionados por Beuys. Mas também não posso levar o respeito ao absurdo.
Até agora, parece que isso basta. Mesmo seus velhos amigos têm a impressão de que ele poderia ainda estar vivo. É o maior cumprimento que poderiam me fazer.
Tradução de Cássio Starling Carlos

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