São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 1994
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Mudar o Brasil

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Bastou um empate para despertar o monstro de amargura que temos embutido na alma nacional. E o Brasil foi o primeiro do seu grupo, com sete pontos ganhos e nenhuma derrota nos três jogos que disputou.
Depois da partida, vi a reação dos torcedores, encalistrados alguns, outros irritados, todos decepcionados. Um cidadão, não sei se da Bahia ou do Ceará, foi perguntado pelo repórter sobre o que deveria ser mudado. Do fundo de sua fulminante depressão, ele vomitou: "Deve mudar é o Brasil!"
A maioria pensou em mudar Raí, Parreira, Zinho. Mas o cara via mais longe e mais fundo. É o Brasil que precisa mudar, não a seleção, os massagistas, os jogadores, a bola ou as chuteiras.
E a coisa ainda nem terminou. Os cientistas políticos já se manifestaram sobre a momentosa questão de ligar o resultado da Copa de julho à eleição de outubro. A linha geral a que chegaram foi óbvia: ganhando o Brasil, o candidato do governo se beneficia. Perdendo, ganha Lula, que ameaça ser um outro tipo de Brasil.
Discordo dos entendidos justamente porque nada entendo de futebol e de política. Daqui para frente (se não mudarem mais uma vez as regras), teremos eleições presidenciais sempre em anos de Copa. Simplificando: pouparíamos tempo e emoções entregando o governo ao técnico de cada seleção em caso de vitória. Isso se o raciocínio sobre a influência do futebol sobre a política fosse correto.
O detalhe é que o brasileiro tem memória parcial, seletiva, condicionada pelos últimos acontecimentos. Entre a Copa e a eleição sempre haverá três meses e, em três meses, há tempo e oportunidade para nascerem, crescerem e morrerem três brasis diferentes.
Mesmo assim, o torcedor que desabafou depois do empate, achando que não é a seleção de Parreira que está errada, mas o Brasil como um todo, disse à sua maneira uma verdade. O diabo é que é fácil mudar, de um jogo para outro, desde o time ao técnico e aos dirigentes. Mudar o Brasil é bem mais complicado, e, talvez, bem mais inútil.

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