São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 1994
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Mais um plano

OTAVIO FRIAS FILHO

O primeiro Plano a gente nunca esquece. No dia em que decretaram o Cruzado, em 86, um bispo dos mais realmente cristãos me perguntou quem era o autor da idéia. Ele estava maravilhado com o fato de ser tão fácil submeter as leis do mercado às da moral. E parecia decidido a reservar um lugar eminente, nas suas preces, ao nome do benfeitor.
"Pérsio Arida", respondi à queima-roupa, cometendo injustiça com os co-autores e com todos os outros para quem a intercessão do bispo seria talvez mais necessária. Eis que oito anos e cinco ou seis planos depois, estamos às vésperas de mais um dos experimentos fabulosos do dr. Arida.
É um mistério o porquê de intelectuais tão talentosos se dedicarem a uma ciência conhecida como melancólica e a um trabalho aparentemente de Sísifo. Arida e seu colega André Lara Resende lembram Rosencrantz e Guildenstern, os personagens de "Hamlet", perdidos numa trama de canalhas e loucos, eles próprios um pouco abilolados.
Mas se graças às frustrações a sociedade é agora mais incrédula, o Plano também se sofisticou em nuances e astúcias. Porque parece que é o mesmo Plano que sempre recrudesce, como a inflação; que vai e volta cada vez mais etéreo, racional e sutil nas suas reaparições.
O que havia de heróico e aventureiro no Cruzado foi substituído pela frieza de um programa que se define secamente como "real". Estão ambos unidos, entretanto, pela paixão da sociologia aplicada e não será à toa que o candidato do Plano é sociólogo.
Se você for otimista, poderá concluir que pelo menos nossa cultura em matéria de planos está aumentando. Se for pessimista, pode achar que plano nenhum resolve. Uma opção dessas é intuitiva, como o voto ou qualquer outra decisão que envolva crença.
O ponto vulnerável dos dois –Plano e candidato– talvez esteja justamente aí, na sua falta de senso do espetacular, na fraqueza do seu apelo emotivo, na estranha promessa eleitoral de que não haverá nem pão nem circo.
A campanha de FHC aposta que o eleitorado é realista o bastante para assinar embaixo de um programa de estabilidade, privatização e abertura exterior. Afinal, ainda que de modo inconsciente, o eleitor já passou esse cheque –em branco– ao candidato Collor.
Mas o programa FHC desencadearia uma violência competitiva de resultados imprevisíveis num país miserável. Como se tivessem percepção disso, despossuídos e beneficiados por prerrogativas se unem num movimento de legítima defesa: ilusão por ilusão, o Cruzado de hoje é o Plano Lula.

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