São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 1994
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Sem lua-de-mel

A partir de amanhã o governo adota a nova moeda, o real. Como a uma noiva que reluta, o Planalto propõe compromissos enormes. Promete não trocá-la à toa, mas apenas segundo regras estritas de casamento com o dólar. Jura que vai fazer a sua parte na arrumação da casa, limitando gastos para equilibrar as finanças públicas.
Há razoável unanimidade quanto à existência de condições tecnicamente favoráveis à estabilização das relações entre governo e moeda. O Fundo Social de Emergência parece suficiente para ao menos tapar os buracos deste ano. O volume de reservas internacionais permite enfrentar com folga eventuais corridas contra a moeda. A safra agrícola foi boa e os riscos de desabastecimento são mínimos e localizados. Os preços não estão e, espera-se, não serão reprimidos. A economia não está superaquecida, nem passa por uma recessão.
Todas essas condições, entretanto, estão longe de assegurar que nas próximas semanas o cotidiano será tranquilo. A inflação cairá logo, e muito. Mas a complexidade da própria regra de conversão, ainda mal compreendida por muitos, pode vir a trazer dores de cabeça e mesmo algum impacto inflacionário ao longo do mês de julho.
É o caso do arredondamento. A conversão de cruzeiros reais em reais vai gerar inúmeros preços nominalmente irrisórios –há o exemplo de um maço de cigarros que custará 99 centavos. Ocorre que os centavos terão agora um valor que há muito haviam perdido. Isso exige uma adaptação psicológica. Haverá quem se aproveite da confusão inicial para "arredondar" valores, gerando, assim, inflação.
Haverá decerto a decepção, infundada, de perdas na poupança, de "garfadas" na conversão, de expurgos na transição. Virão pendengas judiciais. Haverá reações precipitadas e pânicos prematuros até que se entenda não apenas o sentido da nova política econômica, mas, principalmente, até que se confie na capacidade do governo de sustentá-la por tempo suficiente.
O Planalto, como sempre, promete a todos o céu na terra. A nova moeda chega amanhã embalada em juras que lembram um casamento à moda antiga, daqueles que se supunha que iriam durar para sempre. Mas já está claro que não haverá lua-de-mel.

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