São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994
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Economista não entende o mundo

PAULO ORMEROD

Profissionais da economia hoje sabem tanto do que se passa à sua volta quanto os cientistas medievais
PAUL ORMEROD
Especial para o "The Independent on Sunday"
A economia mundial está em crise. Na Europa Ocidental o desemprego já atinge quase 20 milhões de pessoas. Enormes fatias do antigo império soviético se encontram à beira do colapso econômico. Confrontadas pela recessão mais profunda vivida desde a 2ª Guerra Mundial, as empresas japonesas estão prestes a romper a convenção social profundamente arraigada que garante o emprego vitalício a seus funcionários.
Mas os economistas ortodoxos são incapazes de ajudar. Mais do que nunca, a economia domina a discussão política. A economia, enquanto disciplina, desenvolveu-se tremendamente durante os últimos dez anos, especialmente no tocante a sua sofisticação matemática, mas sua compreensão do mundo é semelhante àquela que tinham as ciências físicas durante a Idade Média. Os analistas não previram a recessão japonesa, a forma da recuperação americana, a profundidade da queda da economia alemã e a confusão no mecanismo de câmbio europeu.
Várias equipes de economistas foram à ex-União Soviética, proclamando não apenas as virtudes mas a absoluta necessidade dela passar para um sistema de livre mercado o mais rapidamente possível. Apesar de os governos do ex-bloco soviético estarem fazendo tudo que lhes mandaram fazer, a situação econômica está se agravando.
Monetaristas keynesianos ainda discutem sobre como opera a economia como um todo - por exemplo, sobre o impacto a longo prazo dos aumentos nos gastos ntendimentos apenas mascaram um grande conjunto de crenças compartilhadas. A velha piada de que 12 economistas numa mesma sala são uma garantia de 12 opiniões diferentes, e 13 se um deles é Keynes, está se tornando cada vez menos verdadeira. Uma ortodoxia intelectual surgiu, baseada numa visão idealizada e mecanicista do mundo.
Os livros didáticos comumente indicados para os estudantes de economia estão se tornando cada vez mais parecidos com textos de engenharia. A disciplina não é ensinada como uma maneira de aprender sobre como o mundo poderia operar, mas como um conjunto de verdades descobertas sobre como o mundo opera de fato.
Mas os livros didáticos de engenharia contêm muitas afirmaçães que se sabe serem verdadeiras: quando as fórmulas para a construção de pontes são aplicadas na prática, as pontes normalmente permanecem de pé. O mesmo não se aplica à economia.
Os departamentos financeiros ou de tesouro dos governos, os bancos centrais e as grandes empresas comerciais, todos utilizam o que se chama comumente de "modelos macroeconômicos". Um modelo pode compreender centenas de equações, cada uma das quais supostamente representa algum aspecto de comportamento econômico, e cada uma conectada a outras equações no sistema.
Supõe-se que o modelo mostra como uma política governamental específica vai afetar a economia como um todo, incluindo fatores como o crescimento da produção nacional, o desemprego, as taxas de juros e a inflação.
Consideremos, porém, o exemplo do imposto sobre o valor agregado(IVA). No verão de 1993, os seis principais modelos macroeconômicos britânicos foram utilizados para avaliar o que aconteceria se o IVA fosse reduzido em um ponto percentual. Todos os seis modelos concordaram em relação ao que parece lógico: que inicialmente os preços médios cairiam.
Dois modelos acharam que os preços médios cairiam em 0,6%, enquanto um outro achou que cairiam em apenas 0,1%.
Discordâncias ainda maiores apareceram quando os modelos tentaram prever o que aconteceria alguns anos depois. Após quatro anos, dois dos modelos continuaram dizendo que os preços iriam cair, e cair mais do que o impacto inicial.
Mas um modelo disse que os preços não teriam sofrido qualquer alteração. E os outros três modelos responderam que uma redução no IVA agora levaria a preços mais altos daqui a quatro anos.
Assim, um ministro das Finanças que tenta-se decidir se deveria ou não modificar o IVA ou um diretor administrativo de uma empresa que procurasse compreender as consequências de uma modificação no IVA para sua companhia ouviriam respostas bastante diferentes, dependendo do modelo escolhido.
Os economistas sequer conseguem responder perguntas bastante simples sobre eles mesmos - por exemplo, por que são tão bem pagos. Em seu livro "Liar's Poker" Michael Lewis, um ex-negociante bem-sucedido nos mercados mundiais de capitais, recorda que precisamente essa pergunta foi colocada a seus colegas num programa de treinamento de Wall Street. Uma pessoa que acabava de receber um diploma de mestrado em administração de empresas da Universidade de Chicago explicou: "É uma questão de demanda e oferta. Minha irmã leciona para crianças com dificuldades de aprendizado e ganha muito menos do que eu. Se ninguém mais quisesse lecionar, ela ganharia mais."
A crença de que a oferta e a demanda determinam o preço de um produto-seja ele bananas ou pessoas - é fundamental à economia.
Quando maior a demanda em relação à oferta, maior o preço. Mas, como sabem muito bem aqueles que passaram pelo treinamento em Wall Street, a concorrência para conseguir vagas em seu programa de treinamento foi acirrada. Simplesmente não era verdade que havia mais pessoas interessantes em ensinar crianças, em relação às vagas disponíveis. Mais de seis mil pessoas, a maioria oriunda de cursos de economia em grande universidades americanas, haviam se candidatado a apenas 127 vagas no programa de treinamento da Salomon Brothers.
No entanto, como observou Lewis, "Os pagamentos subiram na Salomon Brothers, apesar do fato de que havia outros canditados dispostos a ganhar menos para fazer o mesmo trabalho."
Para o observador imparcial que vê o contraste entre o comportamento de fato do mundo e a confiança dos economistas ortodoxos em sua capacidade de compreender e analisá-lo, várias analogias vêem à mente. Mas a primeira, e aquela que mais permanece, é a história das roupas novas do imperador.
Ou, como diziam as pessoas quando eu era criança, no norte da Inglaterra: "Não existe cego tão cego quanto aquele que não consegue enxergar."
Nem sempre as coisas foram assim. Os grandes economistas clássicos do final do século 18 e início do século 19 procuraram compreender o dramático impacto da Revolução Industrial sobre a economia e a sociedade, utilizando modelos teóricos pelo primeira vez.
Mas eles o fizeram com uma análise muito firmemente enraizada na realidade. Sua principal preocupação era compreender o mundo que os cercava. Ademais, estudiosos de uma ampla gama de disciplinas puderam contribuir. Jeremy Bentham e os Mills, mais conhecidos como filósofos e teóricos políticos e o historiador Carlyle, por exemplo, todos estiveram envolvidos nas discussões.
Hoje Adam Smith é visto como a inspiração intelectual da Nova Direita. O impulso para privatizar indústrias nacionalizadas e as funções do Estado e para liberar as forças de livre mercado é levado adiante com fervosas invocações do nome de Smith. Sua principal obra econômica, "A Riqueza das Nações", pretendia demonstrar como a defesa esclarecida dos próprios interesses por indivíduos e empresas pode beneficiar a sociedade como um todo. Mas não se trata de uma abstração teórica. Na melhor tradição científica, Smith observou o mundo e depois tentou explicá-lo.
"A Riqueza das Nações" não é de forma alguma um puro elogio às forças do livre mercado. A célebre declaração de Margaret Thatcher de que "não existe uma coisa chamada sociedade" teria sido completamente estranha a Smith.
Em sua outra grande obra, "The Theory of Moral Sentiment" (A Teoria dos Sentimentos Morais), ele argumentou que havia propensões na natureza humana, como o sentimento humano comum e o desejo da aprovação dos outros, que nos inclinam à vida em sociedade.
Para Smith, esses sentimentos exerciam uma influência crucial sobre o autocontrole dos indivíduos em seu comportamento em relação aos outros. Esse autocontrole não dependia, a seu ver, de cálculos e maquinações egoístas de que a vida seria intolerável se todos praticassem a fraude, o saque e o assassinato - mas era parte integrante da natureza humana.
O clima moral em que a economia e a sociedade funcionam também é um tema importante de "A Riqueza das Nações". A divisão do trabalho apesar de trazer enormes beneficios materiais, tornou muitos indíviduos "não apenas incapazes de desfrutar ou participar de qualquer conversa racional, como também de conceber qualquer sentimento generoso, nobre ou terno, e consequentemente de formar qualquer avaliação justa em relação a muitos dos deveres até mesmo comuns da vida privada". Smith argumentou que o dever do Estado era assegurar que cada cidadão pudesse exercer "virtude" intelectual e social.
Hoje os seguidores de Smith se lembram de suas teorias econômicas, baseadas no interesse individual, mas não de seu contexto moral. A ortodoxia da economia moderna enxerga a economia como algo que pode ser analizado isoladamente. Em outras disciplinas, um modelo teórico é testado repetidas vezes.
E os pensadores teóricos realmentes grandes - por exemplo, Arquimedes e Isaac Newton - permitiram que acontecimentos tão corriqueiros quanto ficar deitado numa banheira ou sentar-se debaixo de uma macieira influenciassem o desenvolvimento de suas teorias.
Os teóricos econômicos modernos, em contrapartida, nos fazem pensar na comédia de Shadwell, "The Virtuoso", de 1676. O Virtuoso é um teórico eminente de qualquer coisa que se move. E ele é tido como o maior nadador do mundo.
Mas ele nunca nada realmente na água. Ele apenas se deita numa mesa e copia os movimentos de uma rã, que fica dependurada de um barbante à sua frente. Os economistas são piores do que ele: o Virtuoso, pelo menos, observava a rã. Já os economistas, em sua maioria, não observam nenhuma realidade.

Texto extraído do livro "The Death of Economics", do autor, publicado pela Faber & Faber em 20 de março. Este livro pode ser encomendado à livraria Cultura, no Cj. Nacional, av. Paulista, 2073, São Paulo

Tradução de Clara Allain

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