São Paulo, quinta-feira, 7 de julho de 1994
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Humor negro de "A Pequena Loja dos Horrores" sai em vídeo

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DO MAIS!

O diretor, produtor e distribuidor de filmes Roger Corman é um pequeno capitalista que trabalha nos porões de Hollywood.
Há mais de 30 anos, ele mantém uma rede menor de produção e distribuição de filmes que lhe tem garantido não apenas a criação regular mas, até, certa liberdade diante das pressões do mercado de cinema norte-americano.
O sistema-Corman de cinema é uma espécie de microempresa (palavra tão em voga), que atua à margem das grandes indústrias de entretenimento –coisa das mais rentáveis em tempos pós-modernos (Disse em 1993 Jack Valenti, diretor da Motion Picture Association, sobre a produção americana de cinema: "Não temos um concorrente sequer no mundo. Nossa balança comercial registra um lucro de US$ 4 bilhões").
Em dois dias, apenas dois, Corman fez "A Pequena Loja dos Horrores" (1960), que está sendo lançado agora em vídeo no Brasil.
É um de seus piores filmes (e, por isso, um dos mais cultuados) e poderia figurar em qualquer antologia de humor negro no cinema.
Seria com certeza adorado pelos parceiros de Breton e Bu¤uel: sadismo, idiotia, assassínio gratuito –toda uma série de perversões entram na alquimia única do diretor nesta comédia delirante sobre um florista que alimenta com seres humanos sua planta carnívora.
Diante deste filme, o cinéfilo, comumente fetichista, vai logo dizendo: "É um gênio, só dois dias, é um louco..."
O espectador menos fantasista, contudo, perguntará: por que dois e não três ou quatro dias? Porque Corman não podia estancar seu sistema de produção, dotado de menos recursos e, portanto, de menos tempo. Ele tinha dois dias como um produtor de batatas teria também dois para colher sua safra.
Bobagem mitificar: Corman é uma típica contrafação do sistema hollywoodiano. Seu modelo de produzir filmes é uma imitação anã do grande processo industrial.
Ao "fazer menor", e mais rápido, no entanto, Corman acabou inventando uma estética, irregular e bruta, que tem sido parasitada por muita gente boa do cinemão.
Esta estética, que está longe de ser "naif", adquiriu ultimamente um status de exemplaridade para toda uma geração. Virou objeto de culto, mas no que tem de menos importante e mais fácil: sua extravagância, seu aspecto grand-guignolesco, monstruoso e cínico.
Os cinéfilos do "trash" (lixo, dejeto), mergulhados na fase anal, deixam de lado o que há de mais complexo em Corman: seu esforço para formalizar um outro modelo de cinema, onde a escassez de recursos não proíbe o filme, mas fertiliza a invenção e leva a uma política de atuação dentro do sistema oligopolista. Lição muito útil, aliás, ao cinema brasileiro.
Os cinéfilos do "trash", cínicos da cultura tradicional, deixam para lá o verdadeiro enfrentamento criador de Corman: com o próprio excedente do imaginário cinematográfico massivo.
O monstruoso, a deformidade, o excessivo em Corman não são simples diletantismo. São fruto de uma reflexão sistemática feita nos limites da cultura de massa, com sua voracidade econômica e seu permanente esforço de idiotização. É através deste cinema-problema que Corman deixa de ser um simples "cult" para se tornar membro da ancestral ordem dos artistas-inventores.

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