São Paulo, quinta-feira, 7 de julho de 1994
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Gordura na chapa

Beiram o escândalo os aumentos de preços que por variadas razões ocorreram não apenas nas últimas duas semanas de junho, mas, principalmente, na virada do cruzeiro real para o real. Já se notam movimentos de recuo, algumas promoções. Noutros casos, a pressão do governo foi ao limite do tabelamento, como no caso dos pãezinhos. Mas é inegável que esses aumentos foram a surpresa mais desagradável do real e, por enquanto, o bode ainda permanece na sala.
Discutiu-se muito, desde o início da URV, a qualidade e a extensão da adesão ao indexador. Para alguns economistas e mesmo técnicos do governo, o ideal seria uma transição prolongada, de pelo menos seis meses, até que o uso de um mesmo indexador por todos os agentes criasse na prática uma "indexação contemporânea". Esse ponto de vista foi afinal derrotado.
Mas pior que a maior ou menor adesão à URV foi o seu abandono inesperado à última hora. Ou seja, se a URV serviu para muitos como proteção e referência durante três meses, parece que a maioria não se vexou de, na Hora H, simplesmente criar "gordura" nos preços para entrar no novo regime monetário.
É óbvio que a queda na inflação será enorme nas próximas semanas. Os preços vão parar de subir e alguns, se subirem, vão fazê-lo em ritmo bem menor. Mas o que muitos ainda não percebem (ou nem mesmo aceitam) é que haverá deflação em muitos setores, simplesmente porque não haverá consumidores capazes de sancionar aumentos em dólar de até 20% ao mês.
Ou seja, há muita gordura. Principalmente levando-se em conta que boa parte dos aumentos na virada para o real foram preventivos, por precaução contra um congelamento ou outras medidas que não vieram.
O problema maior será estatístico. Como se sabe, os índices de inflação refletem cálculos de variação média. Ou seja, quando os preços sobem menos, ou mesmo caem, leva ainda algum tempo até que as médias sigam a mesma tendência.
A inflação estatisticamente elevada, entretanto, exigirá juros ainda elevados, também. Esses juros altos, somados a um câmbio que está barateando de modo extraordinário as importações, transformarão a economia brasileira numa chapa em brasa onde terá de derreter-se a gordura abusiva que se acumulou inutilmente.

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