São Paulo, sábado, 9 de julho de 1994
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Sem igual no planeta

JANIO DE FREITAS

Em vez de irritar-se com o presidente da Argentina, que ridicularizou o salário mínimo brasileiro, o presidente Itamar Franco poderia ter-lhe respondido que, em compensação, acabava de ser criado no Brasil o mais bem pago emprego do mundo. Com o novo Estatuto do Advogado, sancionado pelo presidente na segunda-feira, os advogados das grandes estatais foram agraciados com um sistema de remuneração que faz o prodígio, sem precedentes na história das relações entre empresas e empregados, de rapidamente elevar assalariados à condição de multimilionários.
A lei, na verdade, agracia os advogados assalariados em geral. Mas, diante do sistema de remuneração agora adotado, a tendência das empresas privadas será a de desativar os seus departamentos jurídicos voltados para causas comerciais, contratando escritórios particulares para tratar de cada caso. Já nas estatais, as restrições à demissão, nem se precisando invocar o corporativismo, vão preservar os respectivos departamentos jurídicos.
Os advogados assalariados reivindicavam, há muito tempo, alguma participação nas causas ganhas por suas empregadoras. À reivindicação opôs-se sempre, porém, o argumento de que eles têm remuneração permanente, condições especiais de trabalho, não são impedidos de praticar advocacia particular e, se perdida a causa, a empresa arca com todos os ônus. A nova lei foi além da reivindicação. E deixou os marajás tradicionais como míseros assalariados.
Em explicação sucinta e leiga, digamos que uma das partes perca um conflito comercial e, por isso, esteja obrigada a pagar indenização à parte vencedora, as custas do processo e o custo de advocacia da vencedora, fixado entre 10% e 20% do valor da causa. Este ônus da perdedora tem o nome de "honorários de sucumbência", entendendo-se que ela "sucumbiu" na disputa judicial. Pois bem, a nova lei determina que os 10% a 20% do valor da causa não se destinem à empresa vencedora nem mesmo parcialmente: passam a ser, integralmente, do advogado-empregado.
As causas de natureza comercial envolvendo Petrobrás, BNDES, Eletrobrás, Banco do Brasil e outras grandes estatais são de magnitude proporcional às transações fabulosas destas empresas. Para exemplificar, pensemos em uma causa envolvendo uma plataforma de petróleo. É coisa para dezenas de milhões de dólares, se não for de centenas. Vá lá, US$ 50 milhões. Ganha a causa, o advogado-empregado da Petrobrás, além de sua esplendorosa remuneração permanente, recebe intactos e limpos US$ 5 milhões a US$ 10 milhões. E com outras causas em mãos ou em perspectiva.
Não menos destacável do que tal determinação da lei é o fato de que a assessoria jurídica do presidente não lhe tenha recomendado o veto à concessão tão exagerada desta parte da lei.

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