São Paulo, sábado, 9 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O lado sinistro dos planos de estabilização no Brasil

JORGE VIANNA MONTEIRO

Uma visão muito relevante na moderna macroeconomia é que o sistema político é um conjunto de contratos de duração e abrangência variadas, em que se destacam as regras constitucionais: são consensuais e as de maior abrangência e durabilidade.
Por isso mesmo é que são elevados seus custos de recontratação, ou seja, há procedimentos muito estritos e complexos para se alterar tais regras.
O Brasil, todavia, serve como um inquietante contra-exemplo dessa moldura de governo representativo. Os recentes experimentos de estabilização econômica contemplam mudar as regras constitucionais, à conveniência do dia-a-dia de suas políticas. Nos últimos anos, fomos levados a uma dissipação constitucional que pode ser, assim, ilustrada:
a) enfraquecimento da constituição fiscal e a consequente redução da proteção do cidadão-contribuinte, frente às ações discricionárias dos burocratas governamentais;
b) excesso de medidas provisórias –o que confronta o Congresso Nacional com uma sucessão de fatos consumados virtualmente irreversíveis: o que contradiz a retórica do "plano abertamente discutido com a sociedade";
c) fomento do clientelismo na legislatura, através das transitórias coalizões que se formam em apoio às medidas de política econômica: mesmo emendas constitucionais têm estado implícitas a tal distributivismo, como se observou nas recentes votações do Fundo Social de Emergência e da MP que criou a URV. Os ruralistas inadimplentes que o digam;
d) deslocamento do foco das decisões públicas da legislatura para a burocracia do Executivo: é notória a hipertrofia decisória no Ministério da Fazenda, assim como a pouca iniciativa do Congresso Nacional que simplesmente reage às sucessivas ações dos burocratas.
A resultante é o reforço da presença regulatória do governo na economia, tanto quanto de seu poder fiscal, e com os burocratas tentando decidir pela sociedade quanto ao que é "melhor" para ela.
Os planos econômicos acabam por ampliar a intervenção econômica, sem legar à sociedade o efetivo benefício da estabilização econômica duradoura e, ainda, deixando o ônus da dissipação das instituições políticas.
Vamos, cada vez mais, nos distanciando da Constituição como um contrato social que:
a) coordene a ação coletiva para a obtenção de um equilíbrio macroeconômico, em que fiquem definidos, entre outros, o papel do Estado e o grau de coerção permissível nas políticas públicas;
b) e, ao mesmo tempo, seja aceito como "bom" por um segmento expressivo da coletividade, por não viabilizar a tiranização do Estado, exercida em causa própria, ou em nome de qualquer coalizão política.
Em verdade, a recente revisão constitucional deixou de lado a indagação mais fundamental: para que serve a Constituição?
Afinal, para que servirá uma Constituição, senão para aprimorar o Estado-instrumental que melhor reflita os anseios da coletividade e não o Estado-orgânico que sobrepõe suas próprias prioridades e interesses aos da coletividade.

Texto Anterior: O que há de social no Fundo de Emergência?
Próximo Texto: Vendas de usados têm queda de 5,16% no primeiro semestre
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.