São Paulo, sábado, 9 de julho de 1994
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Lembranças de um jogo, 20 anos depois

JOHAN CRUYFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tenho péssima memória. Muitas vezes, quando me pedem para lembrar uma partida, um gol ou um detalhe da minha carreira, acabo tendo de inventar e cair no ridículo. Nunca me preocupei em recordar tudo o que fiz no passado.
No entanto, não sei por que, há algumas partidas, alguns gols e detalhes de que me lembro perfeitamente, sem nem sequer me esforçar. Uma dessas lembranças é a partida que nos levaria à final da Copa de 1974.
Foi contra o Brasil, em Dortmund. Faz 20 anos, mas ainda me lembro de uma conversa com uns companheiros de seleção. O Brasil não deixava de impressionar, apesar de todos sabermos que não era nem de longe tão temível como o Brasil mágico de 1970.
Então, naquela conversa, assistindo a uma partida do Brasil, fiz esta reflexão em voz alta: "Não teremos nenhum problema em ganhar porque há três anos somos os melhores. O Ajax e o Feyernoord ganharam tudo, a Copa da Europa e a Copa Intercontinental. Então eles é que devem nos temer".
Entramos no jogo conscientes de que íamos ganhar. Esta confiança, esta mentalização serviu-nos para enfrentar um rival duríssimo. Aquele Brasil tinha trocado a técnica pela força, o toque pelo pontapé, a criação pela marcação.
Nós éramos melhores, mas no primeiro tempo cometemos o erro de jogar no campo deles. Ali, apesar de a Holanda ter muita força, eles ganhavam.
Foi no intervalo que tudo mudou. "Vamos jogar ou não haverá final." Não precisava dizer mais nada.
A Holanda voltou a ser a Holanda, a laranja mecânica voltou a funcionar e o Brasil começou a ver que não ia ganhar nunca aquela partida.
Quando Neeskens marcou o gol, a diferença se fez ainda mais clara no campo de jogo. De repente, Reensenbrink avançou pela esquerda, desde quase o meio-campo, correu, correu, levantou a cabeça e viu que eu já estava muito perto da área, numa corrida desenfreada.
Colocou a bola num ponto onde, se chutar, é gol. Só lembro que cheguei. Não sei como, mas cheguei. Foi 2 a 0.
Muitos elegeram aquele gol como o melhor do Mundial. Eu, que tenho uma memória tão ruim, não sei por que o recordo tão bem. Há coisas que não se esquece jamais, ainda que tenham se passado 20 anos.

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