São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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Miséria banaliza a morte em Teotônio Vilela

ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM TEOTÔNIO VILELA (AL)

No município de Teotônio Vilela (agreste alagoano), campeão de mortalidade infantil, a morte de crianças não causa impacto em mais ninguém.
É um fato rotineiro, visto até com resignação pelas famílias que perdem os seus filhos. As crianças são enterradas sem nenhum ritual, luz de velas ou lágrimas.
O cortejo é feito por crianças nas ruas de lama da cidade. Foi assim o velório e enterro, na sexta-feira, de Maria de Fátima Silva Cavalcanti, de 28 dias.
Ela era um dos três mais recentes motivos de orgulho dos moradores da cidade. Foi o primeiro caso de trigêmeos do município.
Mas, a exemplo de sua irmã, que morreu no sábado, dia 2, ela não suportou uma infecção pulmonar, que a levou à morte às 7h50 no hospital de Coruripe (a 40 km de Teotônio Vilela).
O pai de Maria de Fátima, o tratorista da prefeitura Manoel Vicente, 27, não pôde ir ao enterro. Teve de ficar com os três filhos menores de oito anos, que estão com pneumonia.
Sua mulher e a filha que sobreviveu estão internadas em Coruripe, ambas com infeccção.
"Não há o que chorar. Estou preocupado em conseguir dinheiro para comprar remédio e leite para os vivos", disse o tratorista.
A afirmação foi feita enquanto ele arrumava as flores colocadas pelas crianças no pequeno caixão azul que estava sobre a mesa de sua cozinha.
O caixão com o corpo da menina saiu aberto de sua casa e carregado por quatro crianças. A única representante da família era a filha mais velha, Rosângela, 12.
A criança foi enterrada sem que se fizesse nenhuma oração e em uma cova de 80 centímetros de profundidade por 1 metro de extensão.
No cemitério municipal, que está com a capacidade esgotada, as crianças são enterradas entre os túmulos de cimento. 80% dos corpos do cemitério são de crianças.
Os números
Conforme divulgou a Folha na sexta-feira, em Teotônio Vilela, de cada 1.000 crianças que nasceram no primeiro semestre deste ano, 377 morreram antes de completar um ano.
Esse índice é quase o dobro do país recordista mundial em mortalidade infantil, Níger (África), com 191 mortes a cada 1.000.
Os números de Teotônio Vilela foram colhidos pela prefeitura e são considerados oficiais pelo governo de Alagoas e pelo Unicef, que visitaram o município para investigar o caso.
Tendência
O quadro do município não é isolado no país, segundo Helvécio Bueno, 41, oficial de Saúde do Unicef para Alagoas, Pernambuco e Paraíba.
"O crescimento da mortalidade infantil do Brasil, principalmente na região Nordeste, é uma tendência que está se confirmando devido ao aumento da fome", afirmou.
Bueno é um dos responsáveis pela tabulação de dados colhidos pela Pastoral do Menor, que aponta um crescimento da mortalidade infantil no Nordeste no primeiro trimeste deste ano.
Os números da Pastoral levaram o governo a preparar um plano de emergência para combater o avanço das mortes de crianças.
O plano governamental foi anunciado durante a semana, mas ainda não foi colocado em prática.

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