São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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Mistérios de segundo time

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Castelos mal-assombrados, quartos misteriosamente fechados, adegas horríveis, quadros de antepassados que começam a falar, armaduras que se mexem, todo esse "romantismo de objetos", diz Otto Maria Carpeaux, enche até hoje os produtos do romantismo baixo da literatura popular, e serve "à necessidade de evasão, pela leitura, de massas incultas".
Claro que as massas são mais incultas hoje que nos séculos 18 e 19, quando surgiu e se proliferou o "romance gótico", "romance de terror" ou "de mistério", que daria mais tarde no "thriller" policial. Mas a "Coleção Mistério" parece que veio mesmo apelar para a incultura das massas.
Que ninguém se engane, portanto. A coleção (são cinco livros apenas) não traz os grandes nomes do gênero. Pelo contrário, são autores de segundo time, representantes da diluição que foi sofrendo, ao longo do século 19,a literatura de terror.
O único autor digno de nota é o alemão Wilhelm Meinhold (1797-1851), cujo romance "A Bruxa de Âmbar" descreve a bruxaria na Alemanha do século 17 imitando a linguagem da época e, como era moda então, ganhou fama por ser a suposta transcrição de uma crônica que o escritor teria encontrado num castelo abandonado.
Pura mentira romântica. Desde Horace Walpole (1717-1797), o inglês criador do romance gótico, havia essa onda de falsificações literárias. Walpole foi o primeiro a inventar que seu romance "O Castelo de Otranto" era a transcrição de um texto antigo, achado num castelo.
Os demais nomes que formam a "Coleção Mistério" são: "O Amante Fantasma", de Vernon Lee; "O Fantasma da Casa dos Guirs", de Charles Beale; "A Casa Desabitada", de J.H.Ridell e "Monsieur Maurice", de Amelia Edwards.
"O Amante Fantasma", de Vernon Lee, pseudônimo de Violet Paget (1856-1935), é a típica novela de baixa qualidade, sem qualquer interesse literário. Trata-se da história de um pintor retratista que, contratado por um casal da nobreza inglesa, descobre, "na misteriosa mansão", ser a mulher a possível reencarnação de uma antepassada que, junto com o esposo, matou o amante.
"Coleção Mistério" também não é um título dos mais originais. Deve haver bem umas cinco outras com esse nome. Mas isso não é problema. As massas incultas confundem tudo mesmo, não é? Uma pena, porque mereciam coisa melhor.
Afinal, está-se falando do gênero literário que revelou gente mais interessante, entre eles Ann Radcliffe (1764-1823) com seu clássico "Os Mistérios de Udolfo", sobre as emoções que o terror é capaz de despertar numa mulher; e Mattheus Lewis (1775-1818), com seu super-aterrorizante "The Monk" (O Monge).
Para não falar de flores... quer dizer, para não falar dos gênios posteriores, que sofreriam forte influência desses primeiros mestres do mistério: Mary Shelley, com seu "Frankenstein"; Robert Louis Stevenson, com seu "O Médico e o Monstro"; e Edgar Allan Poe, o maior de todos, com todas as suas histórias extraordinárias.

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