São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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A liberdade na consciência moderna

VINICIUS DE FIGUEIREDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Esse, cuja essência consiste simplesmente no fato de colocar-se ele mesmo como existente, é o Eu como sujeito absoluto". Com tal afirmação, encontrada no início da }Doutrina da Ciência, Fichte sumariza a aposta iluminista de que o homem possa fazer de si mesmo a premissa de seu agir. Significa dizer que, em nome de nossa condição de seres dotados de razão, não estamos mais autorizados a recorrer a nenhuma instância exterior que venha a decidir nossa sorte.
Caberá agora encontrar em nós mesmos os valores pelos quais orientamos nossas condutas. Os conteúdos transmitidos pela tradição vêem-se assim neutralizados. As idéias da metafísica clássica e da religião, desde sempre admitidas como válidas por si mesmas, revelam seu caráter dogmático aos olhos do Eu absoluto. Resta-nos reinventar o mundo –exigência sob a qual Fichte estabeleceu o que entendia por liberdade.
Em que pese a clareza e a elegância com que Fichte formula o núcleo ético da consciência histórica moderna, ele mesmo foi o primeiro a reconhecer fazer parte de certa tradição do pensamento iluminista. Rousseau já havia feito da autenticidade um absoluto, privando-o, assim, de todo conteúdo positivo, a ponto de transformá-lo em algo a ser obtido sob a cláusula da autonomia moral. O que dizer então de Kant, cuja obra é central para todo o idealismo alemão? Sua filosofia crítica, pelas mãos de Fichte, converte-se em um verdadeiro imperativo prático: porque não há nada na natureza que independa do homem, que não tenha sido posto por ele, Fichte conclui que tudo se encontra por fazer.
Agora tratar-se-á, fundamentalmente, de preparar o aluno para ser livre, para que possa compreender e transformar a vida. Porém, como fazê-lo, visto que a liberdade passou a ser definida como o contrário de toda cartilha? Preparar alguém para a liberdade já não é desviá-lo da rota?
As dificuldades aumentam se levarmos em conta, como faz Vicenti, que o limite entre egoísmo e autonomia se torna tênue na prática. O desenvolvimento do egoísmo não apenas compromete a autonomia moral do indivíduo, como, também, o indispõe perante a comunidade ética –emperrando assim o processo de conscientização considerado por Fichte a base de constituição de uma nação.
Daí a nova pedagogia apelar, ela também, à disciplina, e mesmo à coerção –agora em nome de seu compromisso com a liberdade. Contra a prevenção dos filósofos de hoje diante da pedagogia, e contra a ingenuidade de certos pedagogos, que apresentam rápido demais suas verdades, Vincenti explicita o vínculo existente entre filosofia e ensino desde que a liberdade humana tornou-se o tema por excelência da consciência histórica moderna.

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