São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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Botânicos fertilizam vegetal "in vitro"

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há muito os biólogos realizam em tubo de ensaio a fusão dos gametas (células reprodutoras). Assim criaram organismos e estudaram seu desenvolvimento. Os botânicos, porém, limitavam-se a contemplar essas pesquisas sem poder repeti-las, pois era impossível isolar os gametas vegetais, que ficam fechados em cavidades, ao contrário dos animais, que se apresentam livres e em meio líquido (os espermatozóides do sêmen e os óvulos da cavidade uterina).
A dificuldade foi afinal vencida quando em 1993 "The Plant Cell" publicou as experiências de um grupo alemão do Instituto de Botânica Geral da Universidade de Hamburgo, constituído por Erhard Kranz e Horst Lorz.
Eles usaram um pulso de eletricidade para vencer as muitas resistências que se opunham à união dos gametas. Os experimentos foram documentados por uma série de microfotografias eletrônicas tridimensionais, que revelam a fusão dos gametas e a produção do zigoto resultante.
Antes dessa realização, os estudos sobre fertilização vegetal eram precários e obrigavam os cientistas à polinização manual e ao corte do saco embrionário, que contém o embrião, para apreciar os fenômenos que se passam, mas com dificuldade de penetrar os mecanismos moleculares que ocorrem no início do desenvolvimento embrionário.
Uma forte barreira separava, pois, os gametas e, para destruí-la, era preciso usar meios enzimáticos ou mecâmicos (microdissecação), o que, desfazendo várias estruturas auxiliares, dificultava o conhecimento dos mecanismos em ação.
As experiências de Kranz e Lorz começaram pela adaptação de técnica usada na década de 70 para fundir protoplastos, que são células privadas de suas paredes celulósicas. Quando se aplica o pulso elétrico, tem-se às vezes a impressão de que ele abre grande orifício no gameta feminino, pelo qual penetra o masculino.
Antes do pulso elétrico vários cientistas haviam conseguido isolar gametas por meio de pulso líquido, mediante variação de pressão que arrebentava o grão de polen e libertava os gametas masculinos nele contidos.
Os zigotos obtidos nas primeiras tentativas com pulso elétrico cessaram de multiplicar-se após 50 ou 100 células. Kranz contornou esse obstáculo pelo desenvolvimento de meio de cultura especial, com células embrionárias de milho, que parecem encerrar um ou mais fatores de crescimento e diferenciação. O gameta assim produzido fundiu-se naturalmente com o gameta feminino, originando uma planta fértil (milho) que continha metade dos cromossomos de cada progenitor.
Mas alguns especialistas advertem que a eletrofusão não representa o meio ideal para estudos de fertilização uma vez que sua capacidade de impulsionar eletricamente os gametas pode esconder os mecanismos naturais que agem nesse caso. Para contornar essa objeção os cientistas já estão estudando métodos alternativos não elétricos.
No terreno comercial a eletrofusão pode propiciar à engenharia genética excelente meio de inserir genes nas plantas. Para esse objetivo o recurso atualmente mais usado consiste em transformar a célula embrionária pela infusão do DNA (material fundamental do gene) e depois tentar conseguir o desenvolvimento de cada célula. Esse método todavia nem sempre funciona bem, porque apenas porção relativamente pequena das células incorpora os genes estranhos ou mantém a capacidade de se transformar em planta completa. Por outro lado, a aparente superioridade do zigoto produzido por fertilização "in vitro" esbarra num obstáculo: a lentidão do processo, que só permite criar uns 20 zigotos por dia, ao passo que o outro processo, de transformação em massa, permite trabalhar com milhões de células por dia. Segundo Billy Goodman em "Science" (261, 430) os cientistas podem criar meios de inserir genes por eletrofusão com mais precisão do que em plantas transformadas em massa. Mas só o futuro dirá o processo vencedor.

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