São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Haldeman revela 'outro Nixon'

JOSÉ MANUEL CALVO
DO "EL PAÍS", EM WASHINGTON

As nuvens de incenso histórico que cercaram o enterro de Richard Nixon ainda não haviam se dissipado quando um testemunho direto de sua atuação como presidente dos EUA voltou a comprometer sua imagem de estadista e estrategista internacional.
As livrarias norte-americanas começaram a vender o diário pessoal de H.R. Haldeman, chefe de gabinete de Nixon de 1969 a 1973. Em 700 páginas, o livro descreve as arrepiantes opiniões de Nixon sobre negros e judeus, as barbaridades que lhe ocorriam para chantagear adversários e rivais, acessos de raiva, vinganças infantis e manipulações que usava para consolidar sua presença na Casa Branca.
"Os diários de Haldeman" reproduz transcrições de gravações, com poucas opiniões pessoais. Isso ajuda a chocar quando se lê parágrafos como este:
"28 de abril de 1969. P. (o presidente) enfatiza que é preciso abordar o fato de que o problema real consiste nos negros. A chave consiste em organizar um sistema que leve isso em conta, sem parecer que o faz. Ele (Nixon) observa que nunca na história existiu uma nação negra competente e que é a única raça com que acontece uma coisas dessas. Ele diz que a África não tem solução."
Não existe racismo sem anti-semitismo: "1º de fevereiro de 1972. Considerável discussão sobre o terrível problema decorrente do domínio que os judeus exercem sobre os meios de comunicação e concordância em que é uma coisa da qual ele precisará se ocupar."
Em 1973, Nixon estudou a possibilidade de chantagear o ex-presidente Lyndon Johnson (com a ameaça de levar a público gravações ilegais encomendadas por este quando esteve na Casa Branca) para que ajudasse a deter a máquina investigativa do Congresso sobre o escândalo Watergate.
Outras "nobres" iniciativas de Nixon registradas por seu chefe de gabinete foram relacionadas à infiltração em grupos cívicos e à tentativa de provocar enfrentamentos com piquetes, para apresentá-los como "ataques esquerdistas" aos candidatos republicanos.
As anotações de Haldeman mostram como Nixon planejou sua estratégia internacional, desde a China até o Vietnã, como instrumento para sua reeleição em 1972; a obsessão com sua imagem e as explosões de fúria ao ler resumos da imprensa ou ao ver noticiários na TV; sua guerra contra as infiltrações, apesar de ser ele próprio um infiltrador maquiavélico; a paranóia que o levava a enxergar inimigos em todo lugar e as vinganças mesquinhas contra seus próprios subordinados –como quando ordenou o fechamento da quadra de tênis da Casa Branca, usada por seus ministros, depois que nenhum membro de seu gabinete respaldou publicamente sua decisão de intervir no Camboja.
Haldeman, mão direita de Nixon por quatro anos, foi agente e vítima de Watergate. Demitiu-se em 1973 e foi processado por conspiração e obstrução da Justiça. Morreu no último dia 12 de novembro, quando editava os diários que seu chefe tampouco pôde ler.

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Russos vêem pela TV seu 'herói' do capitalismo
Próximo Texto: EM RESUMO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.