São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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O estouro do champanhe

A primeira semana de Plano Real trouxe várias surpresas, mas ficou longe do clima de confusão assustadora que muitos temiam. Afinal, não se troca todo o meio circulante de um país a toda hora, por mais que no Brasil a experiência cotidiana acumulada ao longo de várias reformas monetárias seja enorme.
Houve basicamente duas surpresas: o patamar em que o BC fixou as taxas de juros e a opção por uma taxa de câmbio que, de saída, impõe custos aos que especularam comprando dólares antes do plano.
Agora, ficar com o dólar desvalorizado nas mãos é aumentar as perdas, frente à oportunidade de ganhar em reais. Assim, a corrida para se desfazer de divisas nos últimos dias permitiu, com o BC fora do mercado, manter o câmbio abaixo da paridade R$ 1 = US$ 1.
Deve-se ressaltar mais uma vez o custo financeiro e econômico de manutenção de juros elevados. Destaque-se ainda que, embora se saiba que a inflação vai cair, e com ela os juros, coloca-se um dilema do tipo ovo e galinha: esperar a confirmação estatística de que os preços se estabilizaram ou sinalizar, desde já, juros declinantes?
Além desse dilema, é importante reconhecer que o governo adotou a estratégia conhecida nos estudos acadêmicos como "overshooting", o tiro de canhão mirando um alvo não tão robusto. Mas prevaleceram a cautela e a memória de outros planos, nos quais o descuido com o controle da moeda comprometeu a estabilização. Não há portanto motivo para pânico, mas a margem para decisões de política econômica discricionárias ainda é enorme.
Nesse sentido não se pode ignorar o ambiente político em que se vai tentar a estabilização. Parece no mínimo ingênuo imaginar que o governo colocaria em primeiro plano a estabilização a qualquer custo, recorrendo à recessão se necessário, justamente às vésperas de um pleito em que concorre o ex-ministro que lançou o próprio plano.
Isso significa que a ousadia das medidas que virão e o grau de arrocho financeiro e cambial serão até pelo menos a eleição condicionadas, ainda que indiretamente, pela evolução das candidaturas.
Há ainda uma terceira surpresa, anunciada no meio da semana passada, que dá um pouco a dimensão da audácia com que talvez se tente conduzir o plano. O governo anunciou que vai reformar o sistema financeiro, eliminando ou onerando as aplicações de curtíssimo prazo.
A intenção é louvável e esta Folha tem denunciado sempre a ciranda financeira como obstáculo a uma autêntica estabilização.
O momento e a forma escolhidos para mudar o sistema financeiro, entretanto, dependem fortemente de variáveis políticas.
Quão dispostos estarão os agentes a alongar suas aplicações financeiras num ambiente de incerteza quanto à continuidade em 1995 do esforço de estabilização? Quantos aceitarão prazos mais longos num governo terminal?
O plano nada trouxe de sustos, portanto, mas depende de um conjunto significativo de decisões cuja ousadia, formato e "timing" ainda são bastante incertos.
Lançou-se o Plano Real com a animação dos estaleiros quando se despeja um novo casco sobre as águas. Deve-se comemorar ao máximo a ausência de sustos, truques ou precipitações. Mas a tradição de inaugurar os cascos novos estourando uma garrafa de champanhe nunca foi garantia de viagens totalmente seguras.

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