São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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Repensar a universidade

Artigos de intelecutais de várias tendências sobre a natureza e o papel da universidade pública no Brasil, divulgados recentemente nesta Folha, mostram que o debate em torno da questão está longe de ter atingido o consenso.
A pergunta fundamental, que está na raiz de todas as outras, é: como tornar a universidade pública um instrumento eficaz de geração e difusão de conhecimento que beneficie o conjunto da sociedade? É impossível ter uma resposta pronta para a pergunta –e os modelos externos, por mais útil que seja conhecê-los, nem sempre são aplicáveis à situação brasileira. É lícito, porém, estabelecer algumas premissas básicas e afastar preconceitos para fazer a discussão avançar.
Um postulado que dificilmente será contestado é o de que entre as atribuições universitárias está a de buscar e produzir o chamado conhecimento fundamental, que raramente pode ser avaliado de modo integral em termos quantitativos e que frequentemente não encontra utilidade prática imediata.
Isso não significa, evidentemente, que a sociedade não deva cobrar eficiência e produtividade no uso de seu dinheiro pela academia, mas que a medição dessa produtividade deve atentar para a especificidade das atribuições de cada setor e atividade universitários.
As divergências se apresentam quando se discute quem deve arcar com o custo da universidade, e de que maneira. Há aqui preconceitos e exageros de parte a parte: há os que vêem a universidade quase como um mero apêndice do mercado e há os que, ao contrário, a concebem como uma entidade que deve ser mantida intocada, distante do mundo da produção e do consumo.
Para os primeiros, o caminho privilegiado –se não o único– de captação de recursos para a academia é o da sua associação com o capital privado, através de fundações ou da intervenção direta de empresas. Está claro que tal concepção peca por não levar em conta a necessidade de o Estado investir em áreas e atividades essenciais que não atraem o interesse privado por não oferecerem a perspectiva de retorno financeiro a curto prazo.
É igualmente pernicioso o preconceito oposto, o de considerar a associação com o capital privado como um mal em si, como um fator de degradação dos ideais acadêmicos. Tal concepção purista da universidade tende a fazê-la dar as costas à sociedade de mercado em que está inserida, privando a instituição de uma preciosa fonte de recursos –sobretudo na área da pesquisa tecnológica– e vedando a seus alunos um contato mais estreito com o campo de trabalho que encontrarão quando formados.
A questão crucial é encontrar o ponto ideal em que a autonomia da universidade para cumprir seus objetivos não implique seu isolamento e alienação diante do país real em que está inserida. E aí entram diversas considerações, como, por exemplo, a questão do ensino pago nas universidades públicas. Um pressuposto para qualquer discussão, em todo caso, é ter em mente que a instituição não existe para agradar a seus membros, mas para servir o conjunto da sociedade. Em última instância, cabe a esta –e ao Estado que a representa– o dever de zelar para que a academia não se transforme nem em mera extensão de empresas privadas nem em torre de marfim.

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