São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994
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Eia! Sus! Sus!

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Ouviram do Ipiranga o brado retumbante –e aí os patriotas com vísceras verde-amarelas rasgaram seus intestinos cheios de hinos e hienas que bradavam, rangendo os dentes: "Aqui, ô!" Foi quando o almirante saiu da rota e de uma velha nota de finado cruzeiro, achou a ilha que não era ilha, o rio que não era rio e a coisa que ainda não chegara a ser qualquer coisa. Então o homem em cima do cavalo tirou o laço azul e branco que simbolizava o lusitano jugo e bradou para os raios fúlgidos: "Independência ou morte!"
Ninguém morreu mas em compensação ninguém ficou independente, exceto o João Slves, o PC Farias e os independentes da Mocidade de Padre Miguel.
Desconfiando que não fôra entendido, o homem disse outra frase: "Fico!". O fico ficou e a saúva não acabou com o Brasil nem o Brasil acabou com a saúva, bolaram um protocolo de coexistência pacífica segundo os moldes preconizados pela "Mater et Magistra" com juros de 52% ao mês.
E quando no melhor da festa alguém duvidava, surgiu das espumas o vulto nefando de Joaquim Silvério dos Reis e logo Tiradentes se homiziou na praça homônima, até ver chegados os tempos. Para aumentar a confusão e a crônica, ouviu-se a voz do Paulo Francis anunciando um método de conceituar o gótico nos lapões. E eis que o céu se abriu e se fechou em Copas do Mundo, ouvindo-se o som de cuícas e tamborins. E aí todos tremeram novamente, pois os tempos tinham chegado. Mas quem chegou foi o Leonardo que lavou séculos de colonização e quebrou o maxilar do complexo industrial-militar –razão pela qual o real ficou valendo um dólar.
"Sim, a Pátria!", disse o âncora embargado. Estremecida de tanto tremer, viu seus filhos gentis largarem pelas ruas e caminhos as vísceras verdes-amarelas. Seus hinos, devorados pelas hienas, soltaram o brado retumbante, que ouviram.
Ouvimos todos. Era ao cair da noite de 9 de julho de 1994.

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