São Paulo, domingo, 10 de julho de 1994 |
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CÍNICO, CÔMICO, O CHALAÇA
SÉRGIO DÁVILA Aos 30 anos, José Roberto Torero virou fenômeno. "Galantes Memórias e Admiráveis Aventuras do Virtuoso Conselheiro Gomes, o Chalaça", sua estréia na literatura, vendeu 3 mil exemplares em 14 dias. Na pele do alcoviteiro de d. Pedro 1º, ele reconta, de êngulos inusitados, passagens célebres da história do Brasil.– Na introdução de seu livro, você diz que ele é verídico, baseado em relatos deixados pelo Chalaça e encontrados por você. Por que optou pela falácia? – Ah, assumir outro autor não é muito novidoso. Tem "O Nome da Rosa", do Humberto Eco, tem "Memórias Póstumas de Brás Cubas", do Machado de Assis. A diferença é que inventei uma história anterior, menti um pouco mais. – E como você "recebeu" D. Pedro para fazer a orelha psicografada do "Chalaça"? – É difícil fazer uma orelha. Tivemos algumas que não agradaram. Então foi legal escrever uma que assumisse a mentira de cara. – Por que a escolha do romance histórico picaresco? – Acho que por minha formação de jornalista. Você fica meio preso à realidade. E eu também gosto muito de história. – Pode-se comprá-lo à bem-sucedida romancista Ana Miranda? – Nosso estilo é bem diferente. Ela busca ser bem mais fiel à linguagem da época, provavelmente se atém mais aos fatos. Eu brinco mais. – Você já ganhou vários prêmios em concursos literários. É isso, de certa maneira, que move sua arte? – O problema é outro. Como não conheço gente do meio, um editor, alguém de teatro, então eu entro em concurso. É o jeito para quem não vem de uma tradição familiar ligada à cultura. Não tem muitos caminhos mais, é o mais viável. Você se compararia ao Chalaça? – Algumas opiniões são muito próximas. Ele diz por exemplo que três sons movem o homem: o gemido das mulheres, o tilintar das moedas e o alarido das palmas. Eu não acho isso muito errado. (Risos) – Você já ouviu alguns desses sons? – O gemido das mulheres uma poucas vezes, o tilintar das moedas nunca e o alarido das palmas um pouquinho. Este talvez seja o menos importante dos três. Com o tilintar da moedas consegue-se os outros dois. E com o gemido das mulheres pode-se até perder os outros dois. – Você assistiu o filme "Independência ou Morte", aquele com o Tarcísio Meira no papel principal? – Claro, claro... Meu avô me levou para ver no cinema e revi há uns cinco anos. Achei certa graça. – Uma graça involuntária, digamos? – É que segue uma versão superficial, ufanista. É a história contada de verde e amarelo. O Chalaça, como muitos outros personagens, teve este problema também: sumiu os livros de história brasileiros depois de 1964, quando o ensino ficou muito ufanista. Porque o Chalaça não é nada ufanista: pilantra, alcoviteiro, arranjava mulheres para o imperador... Até 1964, era bem comum encontrar livros que o citavam como amigo do imperador. – E os filmes? – Os filmes feitos depois de 1964, cado do "Independência ou Morte", restringem o papel dele a um malandro sexual. Mas o Chalaça é bem mais: formava a camarilha secreta de d. Pedro, exercia uma espécie de poder paralelo. – Você o identificaria com o Paulo César Farias, o PC, ex-tesoureiro da campanha eleitoral de Fernando Collor? – O PC não, porque ele foi pego. O Chalaça era mais esperto. Está mais para o Cláudio Vieira, que está andando de iate, escapou... – E um Chalaça atual, em atividade? – Se ele é bom mesmo, a gente não sabe quem é. – O Chalaça era filho bastardo. Com certeza seria um problemão para os atuais candidatos a presidente, não? – Isso é falso moralismo da população. O Brasil é cheio de filhos bastardos, ricos e da classe mais baixa. – Mas é um falso moralismo que influi no voto... – Sim, assim como falsas questões morais do tipo acreditar em Deus ou não, ser homossexual ou não. – Por que, na sua opinião? – É que as pessoas têm um ideal moral: tem que ser um cara branco, bem apessoado, contra o aborto, casado, com dois filhos, um menino e uma menina, que tenha dinheiro, tenha feito faculdade, de preferência Direito ou Medicina... – No seu livro, o Grito da Independência se dá durante um desarranjo intestinal de toda a comitiva de d. Pedro, que atinge inclusive ele (leia trecho ao lado). – Isso é outra coisa que constava dos livros até 1964 e depois sumiu. – Você acha que tal "incidente" teve influência no fato histórico que se seguiu? – Pode ser. Depois de uma diarréia, você fica mais extrovertido, mais solto. Aí, faz um gesto... (risos) – Já que você "recebeu" d. Pedro uma vez, está gabaritado a dizer em quem ele votaria para presidente. – De cara, ele não teria nenhum problema com o Lula nem com o Quércia, pelo filho bastardo. Ele teve muitos. O Fernando Henrique Cardoso estavam falando que também teve este... Que mais? D. Pedro não gostava de ler, também. Bom, talvez fosse o Lula, então. Tem a barba, ou seja, o projeto estético é parecido. Tem filho fora do casamento, não tem amor ao livros e de cerra forma é mais saguíneo, né? D. Pedro era bem sanguíne, arrebatado, romântico. – E o Chalaça, fecharia com quem? – O Chalaça lemantaria muito o Maluf não estar concorrendo. Mas ele poderia fechar com o Fernando Henrique, que conseguiu uma coisa típica de uma manobra do Chalaça: uniu centro-esquerda com centro-direita, uniu dois inimigos para apoiá-lo... – E o que o Chalaça pensaria da imprensa atual? – Estou escrevendo, como Chalaça, um artigo para uma publicação onde defendo a lei dos três pês para os jornalistas?: palavra, pataca e paulada. – Você é bom mesmo ou a sua geração é que é fraca em literatura? – É que a minha geração, de 30 anos, ainda não apareceu muito. Machado de Assis, por exemplo, ficou bom aos 40. – Mas há uma carência de novos valores, não? – Não sei. Talvez seja os problemas econômicos, que deixam as editoras mais conservadoras na hora de lançar autores novos. – Afinal, você é bom ou não? – Minha mãe diz que sim. Texto Anterior: Entenda a guerra da Bósnia Índice |
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