São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 1994
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Para milenaristas, história se repete em ciclos

MANUEL DA COSTA PINTO
DA REDAÇÃO

A proximidade do ano 2000 e as crises históricas que vêm precedendo esse marco temporal podem ser um pretexto para se evocar as crenças "milenaristas" que pontuaram um momento correlato –a passagem do ano 1000.
O milenarismo –ou quialismo– foi uma heresia cristã baseada na interpretação, considerada errônea, dos "Salmos" e do "Apocalipse" de São João, o Evangelista.
Segundo estas exegeses, o primeiro milênio marcaria o início do reinado de Jesus sobre a Terra. Este reinado duraria outros mil anos, culminando com o fim do mundo.
Embora contestados pelos historiadores modernos, os cronistas da época falavam em sinais ameaçadores de cometas e meteoros, além de atribuirem à "fome de 1033" (mil anos depois da Paixão de Cristo) um sentido escatológico.
Apesar do apocalipse não ter acontecido, as crenças milenaristas continuaram existindo ao longo da Idade Média e da era Moderna. Um dos maiores responsáveis por sua difusão foi o abade calabrês Joaquim de Fiore, que viveu aproximadamente entre 1130 e 1202.
No "Evangelho Eterno" e na "Exposição do Apocalipse", o profeta cristão descrevia a história segundo uma divisão que correspondia à Santíssima Trindade.
Depois do império do Pai e do Filho (cujo fim ele anunciava para breve), viria a era do Espírito Santo, em que reinaria a liberdade espiritual absoluta e em que as ordens monásticas sustituiriam a Igreja.
As idéias se Joaquim de Fiore influenciaram ordens do baixo clero (como a dos franciscanos) e, segundo o historiador Mircea Eliade, conjugaram o sentido histórico do cristianismo com uma concepção cíclica do tempo, que é característica das religiões arcaicas.
A concepção da história como um caminho linear que conduz da queda inicial à redenção final se manifestou, desde os primórdios do cristianismo, em pensadores como Orígenes (185-254) e Santo Agostinho (354-430) –que combateram ardorosamente o milenarismo.
O milenarismo, inversamente, procurava explicar a repetição dos fatos históricos através de uma cosmologia que determinava os ciclos de regeneração da vida –contrariando, assim, a idéia da onipotência divina.
Embora não tenha sido o primeiro a introduzir estas noções pagãs do apocalipse na teologia cristã, Joaquim de Fiore tornou-se uma figura emblemática dessa confluência religiosa, ecoando –segundo Eliade– em alguns pressupostos ideológicos da Reforma protestante e do Renascimento.
Hoje, alguns dogmas da seita Testemunhas de Jeová e dos mórmons coincidem com a crença milenarista na vinda do messias e no apocalipse.
E, contrariando a idéia de que um mundo dominado pela ciência se contrapõe ao universo da fé, o século 20 pôde assistir ao advento de um milenarismo secularizado: o nazismo, cujo 3º Reich deveria durar mil anos, segundo as palavras de seu profeta, Adolf Hitler.

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