São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 1994
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A estabilização mexicana

DEMIAN FIOCCA

Durante a década de 80, a América Latina sofreu os efeitos da crise da dívida externa.
Na entrada dos anos 90, várias dessas nações estabilizaram suas economias.
No Brasil, as perspectivas do Plano Real dependem da escala de prioridades que resultar das eleições.
De qualquer modo, a experiência dos países vizinhos traz luz aos méritos e deméritos das opções de política econômica.
Tendo uma história de terras anexadas pelos Estados Unidos e um sistema político que ainda usa a mística da revolução popular do início do século, a tradição mexicana é fortemente nacionalista.
Foi rompendo com ela que o atual presidente Carlos Salinas de Gortari, eleito em 1988, empenhou-se no acordo de livre comércio com os Estados Unidos e Canadá, o Nafta, que entrou em vigor no início deste ano.
PrivatizaçõesEleito pelo mesmo PRI que há seis décadas governa o país, Salinas realizou um ambicioso programa de privatizações e empreendeu um rigoroso ajuste liberal.
Preservou o simbólico monopólio estatal do petróleo, mas vendeu os bancos estatizados havia poucos anos.
Os superávits fiscais, a manutenção de um estreito limite na oscilação do câmbio e uma sucessão de pactos sociais –apoiados no abrangente sistema de organizações e sindicatos oficiais e no autoritarismo político ainda vigente no país– lograram controlar a inflação e atrair capitais (ver quadro).
A liberalização tarifária fez crescer impressionantemente o déficit comercial (importações menos exportações).
Mas a soma dos investimentos diretos e das entradas financeiras ultrapassaram esse valor, resultando em crescimento das reservas.
EmpregoOs altos juros internos e o enxugamento de pessoal das empresas recém-privatizadas levaram, porém, à diminuição do emprego e à redução da taxa de crescimento.
A perda de poder aquisitivo dos salários, já que o pacto social valeu mais para salários do que para preços, fez crescer a concentração de renda.
No setor industrial, um operário que em 1980 recebia salário equivalente a 28% daquele pago nos Estados Unidos, recebe apenas o equivalente a 16% no início dos anos 90.
Dos 90 milhões de mexicanos, 49% vivem abaixo de linha de pobreza.
No estado de miséria vivem 8% da população urbana e 24% da população rural.
A mortalidade infantil é de 46 por 1.000, contra 8 por 1.000 nos países desenvolvidos.
O reconhecimento de que a situação social é grave deu-se, na virada do ano, quando surgiu a guerrilha no Estado de Chiapas.
A repressão inicial não surtiu resultado. Ao contrário, quando em 22 de março o governo anunciou que a estabilidade seria buscada pela negociação de um acordo de paz, a Bolsa da Valores subiu 5%.
De lá para cá, o México ainda foi estremecido pelo assassinato do candidato governista e favorito à eleição presidencial de 21 de agosto.
Um cessar-fogo foi obtido com a guerrilha, mas ainda não um acordo.
A queda do crescimento econômico parece reverter-se, mas o quadro social não apresenta sinal de melhora.
O ajuste mexicano, evidentemente, tem suas particularidades.
Há diferentes maneiras de conduzir uma estabilização e o processo não é necessariamente perverso sob o aspecto social.
Mas se algo pode-se depreender desses fatos mexicanos, é que, qualquer que seja a via, não se alcança a modernidade varrendo para baixo do tapete os compromissos sociais e os princípios democráticos.

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