São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 1994
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O PT na "Casa dos Mortos"

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Há na história pessoal de Dostoievski uma rica passagem. Sob o regime do czar Nicolau 1, o romancista russo foi condenado à morte. Seria fuzilado por conspiração subversiva.
À última hora, sua pena foi reduzida pelo czar, que sentenciou-o apenas a quatro anos na Sibéria. Mas um detalhe sórdido marcou a punição de Dostoievski.
Por determinação de Nicolau, apesar de beneficiado com a reduçao da pena, ele foi posto diante do pelotão de fuzilamento.
Seguindo todas as praxes, como se a sua hora de fato houvesse chegado, um padre chegou a cobrar-lhe o último desejo. Olhos vendados, no frescor de seus 27 anos, Dostoievski imaginou-se diante do disparo fatal.
Só depois de sentir o bafo da eternidade a roçar-lhe a face é que o romancista foi brindado com a leitura da verdadeira sentença. Em sua infinita bondade, o czar transformara a morte em simples exílio na Sibéria.
Dostoievski ainda enfrentaria na prisão a convivência com figuras vulgares, criminosos de toda a espécie. Mas naquele instante em que se calaram os fuzis, exultou como se um céu o aguardasse. Em 1863, publicou o célebre "Recordações da Casa dos Mortos".
O PT de 1994 é o anti-Dostoievski. Enebriado com as primeiras pesquisas de opinião, o partido imaginava-se condenado ao paraíso. Agora, descobre-se irremediavelmente às portas do inferno.
As pesquisas mais recentes exibem o risco de uma segunda tragédia petista depois da derrota para Collor. Como no caso de Dostoievski, também a nova sentença de Lula se desenha em duas etapas.
Num instante em que já se considerava vitorioso no primeiro turno, o PT parece resignar-se com um segundo turno praticamente certo. Não são desprezíveis, diga-se, as chances de derrota.
Para o PT, a simples existência do segundo turno é o prenúncio de um novo fim. Unidas em torno do seu rival, as forças conservadoras do país se esforçarão para impor a Lula um implacável fuzilamento eleitoral. O PT será então vítima da própria arrogância.

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