São Paulo, terça-feira, 12 de julho de 1994
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De olho nos preços

JOSÉ SERRA

Os piores momentos de uma campanha eleitoral são as reuniões para organização de outras reuniões, a impontualidade, a falta de recursos, o mau tempo e a ciumeira entre os candidatos do mesmo partido. Os melhores momentos, sem dúvida, surgem no contato direto com pessoas de todas as profissões, idades e condições econômicas. Trata-se de uma pesquisa pessoal insubstituível, que tenho renovado a cada dois anos, desde 1986. Por meio dela descobre-se não somente o que as pessoas pensam, mas também o que sentem.
A propósito do Plano Real, meus contatos no dia-a-dia têm revelado grande compreensão e esperança entre as pessoas de baixa renda, que formam pelo menos dois terços da população do Estado. A compreensão se manifesta em dois sentidos. Primeiro, no reconhecimento da importância de se conter a inflação e de se conseguir preços estáveis, previsíveis e suscetíveis de comparação. Segundo, nos aspectos operacionais da conversão das moedas.
A expansão do sistema educacional, por péssimo que este seja, elevou consideravelmente a capacidade de as pessoas processarem informações. A isto se soma o papel das rádios e da TV. Jornais, poucos lêem, mas eles repercutem nos noticiários das rádios.
Não há euforia com o Plano Real, mas, além de uma reação tranquila, percebe-se o profundo desejo de que dê certo. Nota-se, inclusive, uma generosa disposição para esperar os resultados mais otimistas. Isto mostra como é verdadeiro o lugar-comum de que o povo brasileiro é bem melhor que suas elites econômicas, políticas, intelectuais e sindicais. Essas elites têm baixíssimos índices de paciência e elevadas taxas de oportunismo, para não mencionar a tendência de, vira e mexe, apostarem no quanto pior melhor.
Para que um mínimo de estabilidade de preços seja mantido, os governos e o Congresso têm de cumprir sua parte. Escrevo "governo" no plural porque, além do federal, incluo os dos Estados e municípios. É imperioso que nenhum governo gaste além da conta, pois o equilíbrio fiscal é absolutamente essencial. Outro aspecto é o da política monetária, da oferta de dinheiro, que precisa manter-se austera. Um terceiro é a repressão legal aos abusos dos chamados "price makers" (fazedores de preços).
Aqui, o papel dos consumidores, postergando o consumo e comparando preços, é imprescindível. A este respeito, deixo uma sugestão colhida em visita à cidade de Cruzeiro. Lá a prefeitura (do PSDB) publica todos os dias uma tabela com os preços dos produtos básicos nos diferentes supermercados. Com a tabela na mão, o consumidor compara e exige: o preço mais alto baixa, ou vai comprar em outro supermercado.
A tabela de Cruzeiro mostra coisas interessantes. O preço do quilo de sal varia de R$ 0,12 a R$ 0,32! A caixa de fósforos, de R$ 0,31 a R$ 0,93! As variações menos escandalosas nunca são inferiores a 10% ou 20%. Minha sugestão é que todas as prefeituras publiquem tabelas semelhantes diariamente. Nas cidades maiores, como São Paulo, a tarefa pode ficar para as administrações regionais. Ou seja, é preciso que as prefeituras fomentem a concorrência e a redução dos preços. É o mínimo que algumas delas podem fazer de bom, depois dos tarifaços indecentes que aplicaram nos transportes coletivos.

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