São Paulo, terça-feira, 12 de julho de 1994
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A ópera do malandro bocó

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Milhares de paulistanos passaram dias nas filas do telefone, armadas às portas de agências da Telesp. Desde o meio da semana, os telejornais já mostravam grupos numerosos, munidos até de TV portátil, montando guarda diante da Telesp.
Pois bem: no domingo, quem arriscou passar por um posto da Telesp para apanhar o bendito formulário gastou apenas 15 minutos, no máximo, e saiu com o precioso troféu, sem perder tempo e paciência.
Por que será que o brasileiro adora sofrer, muitas vezes sem necessidade? Até que alguém se anime a fazer um estudo antropológico a respeito, arrisco um palpite: boa parte da população comporta-se diante do noticiário dos telejornais com uma passividade bovina.
Pegue-se o caso Branco. O Jornal Nacional, da TV Globo, resolveu, sábado, fazer um micro perfil eletrônico do novo herói da pátria de chuteiras. Mostrou, em câmera lenta, a falta que Branco fez no holandês Overmaars, antes de ser ele próprio derrubado no lance que resultaria no gol decisivo para o Brasil.
Pois bem: o repórter atribuiu o lance à "malandragem" de Branco. Parece que o próprio jogador acredita em algo parecido. Disse à Folha que foi a sua "experiência" que o levou a praticar todo o lance.
Pura bobagem. Não foi nem malandragem nem experiência. Foi apenas erro do juiz. Seguir o raciocínio de Branco e da TV Globo mandaria dar ao italiano Tassotti o troféu de craque da Copa. Afinal, Tassotti fez mais do que Branco: não só derrubou dentro da sua própria área o espanhol Luis Enrique, sem que o juiz desse o pênalti, como ainda tirou sangue do adversário, obrigando-o a deixar o campo por precisos minutos já no finzinho do jogo. Com isso ajudou a empurrar a melancólica Itália para a semifinal.
O brasileiro parece acreditar demais que é o único no mundo capaz de supostas malandragens, como a de Branco. Pena que, na maioria dos casos, o juiz vê e apita. E, aí, lá vai o brasileiro inutilmente para a fila da Telesp, entre tantas outras.

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