São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Por uma câmara setorial da agricultura

JOSÉ DIRCEU

A citricultura é um dos maiores exemplos de concentração de renda no Brasil
Em recente visita à região de São José do Rio Preto (SP), uma das maiores regiões produtoras de laranja do país, propus a criação de uma câmara setorial da citricultura, composta por citricultores, processadores e trabalhadores do setor cítrico.
A receptividade à proposta foi muito grande e positiva. Muitos citricultores, produtores e trabalhadores quiseram saber quais as minhas propostas para o setor. Pretendo com este artigo colocar com clareza o que será uma política do PT e dos demais partidos a ele coligados, com relação a esse setor.
Geralmente, a maioria das análises sobre a citricultura no Brasil estão direcionadas para a exaltação do setor, sua geração de riquezas, sua contribuição no balanço de pagamentos, sua vitalidade empresarial e outras apologias correlatas. Justa, porém incompleta essa análise. Temos que colocar a questão em termos mais abrangentes e realistas.
Vários são os ângulos dessa questão e entendemos que nenhum deles se dissocia dos demais, tendo sempre como pano de fundo a maximização dos efeitos no aumento da riqueza nacional e sua justa distribuição entre os agentes que a constroem.
Analisado sob a ótica dos industriais (esmagadoras), haverá empenho do governo petista na atuação diplomática, onde Estado e União intervenham, particularmente junto ao governo norte-americano, para eliminação de taxas protecionistas na importação do suco concentrado brasileiro.
É necessário colocar à mostra, mais uma vez, a hipocrisia do chamado liberalismo norte-americano, o que ocorre toda vez que sua economia é colocada em xeque pelo mundo exterior concorrente.
Há muito, também, o que fazer junto ao mercado japonês para ampliação das quotas de importação do produto para aquele país. Soberanamente, o governo petista colocará pesos equivalentes na balança, exigindo que nosso país não seja apenas concedente de tratamentos diferenciados, mas os receba, também, de todos esses países.
A política setorial passará, ainda, pela procura em minimizar os efeitos dos custos de transportes no território nacional, despesas alfandegárias, capatazias e, sobretudo, pela busca de mecanismos para maximizar o transporte a granel para o exterior, diminuindo o pesado custo das embalagens em tambor. Isso é benefício direto para as esmagadoras.
Contudo é inconcebível querer tratar-se com política tributária favorecida um setor que, durante tantos anos, já teve isenção de ICMS e, atualmente, ainda tem tratamento diferenciado, ao pagar uma alíquota de 8,45% sobre o preço Cacex. Seria o velho Estado continuando a dar privilégios a segmentos onde já há forte acumulação de riquezas e favorecidos.
O PT, no entanto, estará sempre aberto para encontrar a melhor maneira de nunca penalizar nem enfraquecer o setor, mantendo-o com todo o seu atual vigor.
Nessa via, deve haver, contudo, duas mãos de direção. A sociedade brasileira sabe da brutal necessidade de recursos do exterior para o seu desenvolvimento, e ninguém desconhece que a quase totalidade dessas esmagadoras de laranjas permanece com enorme fatia de suas receitas nos famosos paraísos fiscais.
Nada mais justo do que criar mecanismos legais para a internação desses recursos, fruto do trabalho e capitais nacionais.
Analisado sob a ótica dos produtores de laranja, a política do PT para a citricultura será de ampará-los legalmente contra o fantástico oligopólio representado atualmente pro menos de meia dúzia de grandes esmagadoras. Se não houver mecanismos civilizados, essas empresas não esmagarão apenas as laranjas, mas também os agricultores e as pequenas indústrias do setor, destruindo, principalmente, os pequenos e médios citricultores.
É preciso repensar o atual modelo de remuneração das laranjas por caixa, pois a indústria esmagadora não só coloca custos dissociados da realidade, como a produtividade por tonelada de 260 caixas é falsa.
E, finalmente, todo o modelo de remuneração estribado na cotação do suco pela Bolsa de Nova York não reflete a realidade do mercado do suco, além de ignorar as receitas derivadas dos subprodutos. A remuneração com base na relação sólido/solúvel é um dos caminhos a ser discutido.
É, também, indispensável a presença mais marcante da Secretaria da Agricultura no apoio às políticas dos tratamentos fito-sanitários dos pomares, às pesquisas do setor e ao fornecimento de mudas das espécies mais adequadas à produção de sucos.
O setor, tão rico e auto-suficiente, preencheu a ausência do Estado com seus próprios recursos e organismos. É, no entanto, uma perigosa e injustificável omissão que poderá cartelizar ainda mais a citricultura.
Como foi dito no início, é sempre feita uma incompleta análise do setor e a ótica prevalecente é de natureza neoliberal, a exemplo do que fez recentemente um candidato a senador, tido como antiga liderança progressista.
Nenhuma palavra a respeito dos trabalhadores da indústria, de excelente nível técnico na produção com qualidade internacional, nem dos bóias-frias colhedores de laranjas –os verdadeiros geradores dessa riqueza.
O articulista acima citado reconhece que o custo da caixa da laranja em São Paulo é metade do observado na Flórida. Não precisamos dizer que isso se deve à miserável política de remuneração desses trabalhadores, pois, tecnologicamente, na indústria, nada ficamos a dever a qualquer país produtor de suco.
No entanto, constata-se menor produtividade por pé nos pomares. Portanto, somente essa compressão salarial explica esse baixo custo. O segmento da citricultura é um dos maiores exemplos de concentração de renda no Brasil.
Buscaremos mudar esse quadro. Precisamos ter mecanismos para maior distribuição dessa renda gerada, principalmente entre os trabalhadores, bem como melhorar as suas condições de trabalho.
São famílias que, às madrugadas, se dirigem aos laranjais para um árduo trabalho e miserável remuneração. Em função da sazonalidade, ganham apenas uma parte do ano e, quer queiram quer não, se obrigam a viver com aquele ganho o ano todo, sempre submetidos a verdadeiros feitores, chamados "gatos", a quem repassam parte daquilo que produzem.
Por se situarem no interior, sem as alternativas de emprego dos grandes centros, essa mão-de-obra vive o velho desespero dos exércitos de reserva, à mercê da indústria. É preciso humanizar esta condição.
Sem a menor dúvida a instituição de uma câmara setorial, com a presença de todos os agentes econômicos componentes do setor, será o foro conveniente para discutir suas múltiplas questões e, assim, continuar existindo um progressista setor econômico, com a justiça distributiva da renda gerada e a melhoria das condições de trabalho.

Texto Anterior: PDT abre ação contra MP do Plano Real
Próximo Texto: Boa impressão; Demanda oriental; Papel valorizado; Desempenho endossado; Liderança brasileira; Problema na vizinhança; As cinco mais; Dia decisivo; Surpresa possível; Atacado pelos juros
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.