São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 1994
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Persistir criando é ato político, diz Monk

LUÍS ANTONIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Show: Meredith Monk (voz e piano)
Onde: quinta, às 21h, no Auditório Cláudio Santoro (av. Arrobas Martins, 1.880, tel. 0122/62-2334, Campos do Jordão); sexta, às 21h, no teatro Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 152, tel. 011/288-0136, São Paulo)
Quanto: entrada franca; em São Paulo, convites devem ser trocados por agasalhos na bilheteria do teatro, a partir de sexta, às 15h

A compositora Meredith Monk ganha pouco dinheiro. Vive em Nova York e possui uma casa de campo em East Meredith, a quatro horas da metrópole.
Afirma que trabalha duro. Tem uma fundação, a The House Foundation for the Arts, voltada ao sustento de seu trabalho.
Apresenta-se com piano nos dois shows do festival. Começa com 12 sequências para voz solo, extraídas de "Songs from the Hill" (1977). Na segunda parte, mostra composições dos CDs "Dolmen Music" (1981), "Music for Voice and Piano" (1971-1991) e de sua ópera mais recente, "Atlas" (1993).
Na entrevista abaixo, ela diz que persistir na música experimental é um ato político nos EUA.

Folha – Como você compõe?
Meredith Monk - "Songs From the Hill", compus no deserto do Novo México, realmente sentada sobre um monte, esperando a inspiração chegar.
Folha - Não é romântico demais acreditar em inspiração?
Meredith - Pode ser, mas gosto de trabalhar assim. Posso fazer uma obra como um sapateiro. Mas meu objetivo é fazer do canto um transmissor de emoções.
Folha - Você acaba de lançar "Atlas", sua quinta ópera. Você acha que a ópera tem ainda o que dizer na música contemporânea?
Meredith - Ópera para mim não tem a acepção ocidental. É um espetáculo em que todas as linguagens convergem no palco.
Acho uma chatice a ópera com historinha. "Atlas" tem apenas 33 palavras. O texto é poético. Prefiro deixar a música fazer o trabalho.
Folha - Por que você deixa as palavras em segundo plano na sua obra?
Meredith - Considero a voz como instrumento. Respeito quem usa as palavras, mas elas tem um significado muito pontual, específico. As palavras são limitadoras, fazem parte de apenas um lado do cérebro. Prefiro a palavra poética porque ela traz vários significados.
O som da voz comunica mais diretamente. É uma experiência primordial que quebra a hegemonia da palavra e dá uma direção mais espiritual à música. Está mais de acordo com os meus princípios.
Folha - Quais são eles?
Meredith - Ainda acredito em nunca me fixar em um estilo específico. Creio nas apresentações ao vivo e em aproveitar as chances de você correr riscos e abrir a mente. Num mundo dominado pela mídia, eu existo para dizer: "Calma, ouça isto! Veja que variações são possíveis". Busco mostrar a pungência do ser humano.
Folha - Você improvisa em palco?
Meredith - Sim, mas sempre com relação à forma original da obra. Meu trabalho realiza um balanço entre o rigor e a liberdade.
Folha - No que ele mudou em 30 anos?
Meredith - Ele é bastante linear e não mudou muito. Minha voz ficou mais suave e um pouco mais grave. Aprendi a relaxar.
Mas o fato de eu ter persisitido num trabalho de experimentação esses anos todos já representa um gesto político nos EUA. Hoje todo mundo tem medo de apostar na arte e na cultura por causa dos problemas econômicos.
Os governantes desde a era Reagan têm desvalorizado a cultura e a educação. Cultura é alimento essencial. O resultado está aí: uma nova geração cresceu sem cultura e sem gosto para nada.
Isso vem dos anos 80, em que os artistas acharam mais importante ter o seu "manager" do que compor suas obras. Meu trabalho age obliquamente. Quer ser uma alternativa à indigência e é por isso que tem conotação política.
Folha - Você nega o tempo todo que seu trabalho se assemelha ao dos minimalistas. Mesmo assim, ele soa como minimalista. Você pertence ou não à geração dos minimalistas?
Meredith - Não gosto de categorizar minha obra. Sou dez anos mais nova que os minimalistas. Eles se formaram em conservatórios e procuraram negar o serialismo, essas coisas intelectuais. Eu, não. Surgi como cantora folk e sempre busquei desenvolver meu trabalho a partir dos aspectos internos. Meu padrão repetitivo vem de todas as tradições.
Folha – Quem influenciou você?
Meredith - Quando eu era criança, adorava Béla Bartók. Descobri depois "A Sagração da Primavera", de Stravinski. Mas a obra mais fundamental foi a de Janis Joplin. Ela me ensinou a ser menos abstrata. Janis me mostrou que a voz deve carregar sangue.
(Luís Antônio Giron)

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