São Paulo, quinta-feira, 14 de julho de 1994
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Rucki critica psicose antimoda

EVA JOORY
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma das mais temidas sacerdotisas da moda vem ao Brasil. Marie Rucki, a diretora do prestigiado Studio Berçot, de Paris, estará em São Paulo para palestra e workshop, dia 25 de julho. Por 12 vezes Rucki já fez isso; ficou cinco anos sem vir e retornou ano passado.
Responsável por parte da formação dos estilistas da Casa Rhodia, nos anos 80 (de onde saíram Conrado Segreto, Walter Rodrigues, Reinaldo Lourenço, entre outros) teve também entre seus alunos Marcia Gimenez, Marjorie Gueller e Ocimar Versolato.
Seu curso no Brasil terá duração de 15 dias. Seu curso regular, em Paris, dura dois anos, com mais um ano de estágio organizado pela própria escola, que é considerada um dos principais centros de ensino de moda do mundo e um berço de novos talentos.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por telefone, de Paris, em que Rucki critica os brasileiros –"eles não sabem interpretar"–, fala da importância das ruas na moda, diz que a alta-costura é "um sonho do passado" e sintetiza seu estilo radical e de poucas concessões: "Não admiro ninguém completamente".

Folha - Qual a importância das aulas que a sra. vai dar no Brasil?
Marie Rucki - Durante 15 dias vou dar aulas de reciclagem de moda. É um trabalho de formação para os estilistas profissionais para ensinar a eles como recuperar as idéias presentes na moda internacional para fazê-los ter idéias próprias e não uma idéia impessoal. Quero ensinar a eles a analisar uma informação. Informações são as mesmas para todo mundo, a diferença é que deve-se saber interpretá-las.
Folha – Isso foi o que a sra. constatou da última vez que veio ao Brasil?
Rucki - Sim, as pessoas ainda não sabem interpretar. Encontrei muita gente talentosa, mas que deveria dar mais valor à sua própria capacidade, sem precisar ter sempre como referência a Europa. Eles ainda não têm independência. Folha - Como a sra. vê a moda hoje em dia? A crise influencia o comportamento?
Rucki - A moda está mudando com uma enorme rapidez. A informação ficou mais fácil que a própria fabricação das roupas. As pessoas têm necessidades pequenas, mas que precisam ser mudadas com mais frequência. A crise está aí há algum tempo, mas crise é um estado de espírito, acho que ela não está tão forte assim na moda. As pessoas ainda gostam de se vestir. Atualmente está na moda falar que a moda está fora de moda, mas eu acho esta opinião "demodée". O absoluto não existe. Vejo isso muito nas ruas, onde as pessoas mudam de roupa sempre e parecem gostar disso.
Folha - A rua e a moda direcionada para os jovens têm toda esta importância?
Rucki - A rua tem, mas não tanto quanto querem dar. A rua inspira os estilistas e os estilista fazem roupas para as ruas. Um precisa do outro. Mas a rua não é tão fundamental. É importante para as pessoas que sabem ver, e nem todo mundo sabe. É uma besteira falar que a moda está se aproximando dos jovens porque tem muita gente de idade. Na verdade eles têm tanto medo e vergonha de envelhecer que acabam se vestindo como jovens. Mas isto faz parte da psicose moderna, a psicose da idade e a psicose da antimoda.
Folha - O que acha da moda básica, do street-wear?
Rucki - Ela existe há dez anos, não é nenhuma novidade. Acho que na verdade as pessoas têm necessidade de fantasias, de sonhos, já que o dia-a-dia é tão entediante e tão difícil, algumas pequenas fantasias na moda, todo mundo pode pagar. Isso ajuda a esquecer as incertezas do amanhã, as condições duras da existência. Uma roupa é como um agrado.
Folha - Quais os princípios básicos do Studio Berçot?
Rucki - O rigor da análise e principalmente ter estilo próprio, mesmo com todas as mutações da moda. É necessário ser fiel a certos pontos de vista e empreender uma busca incessante de uma qualidade na moda, mesmo que ela não dure mais do que seis meses. Qualidade para mim não significa preços caros, mas ao contrário, significa uma elegância na escolha, no olhar e na intenção. Isto tudo sem concessões a necessidades e demandas medíocres.
Folha - Os jovens estilistas que estudam no Berçot são sempre criativos?
Rucki - Depende dos anos. A manifestação da criatividade é quase sempre diferente. Tem gente que desenha melhor, tem outros que são mais afiados nas idéias e outros ainda que escolhem melhor; isto tudo é moda. Nós formamos pessoas que vão fazer parte deste meio de moda.
Folha - A sra. acha que é mais fácil fazer moda hoje?
Rucki - Sem dúvida. Em períodos de crise, a moda sempre foi brilhante; é quando as pessoas têm muito dinheiro e nenhum sonho que a moda é chata.
Folha - O que é fundamental para ser aceito no Studio Berçot?
RuckiTer um ar interessado no que se escolheu para fazer. Tem que saber por que se está aí. Nós recusamos muita gente. Paixão pelo que se faz é fundamental e temos que sentir isto nos alunos.
Folha - O que acha da alta-costura e da volta da técnica que muitos estilistas estão trazendo de volta?
Rucki - A alta-costura é um sonho do passado. Existem estilistas que fazem roupas com o espírito de alta-costura, mas não refletem mais a técnica dos anos 50 ou 60. Este espírito ficou "démodé". Hoje, é legal saber usar uma técnica industrial. A técnica de Balenciaga que os estilistas ingleses como John Galliano estão sempre citando, não é mais uma técnica adaptável ao mundo moderno. É necessário se repensar a utilização dos materiais. Não se pode refazer um Balenciaga, não tem sentido. Se querem fazer uma moda mais rebuscada e fina, que se faça com os materiais de hoje. Não há interesse em recriar, para isso é melhor ir trabalhar num museu.
Folha - Quem são os estilistas que a sra. admira?
Rucki - Tem muita gente, mas não admiro eles completamente. John Galliano tem um talento que corresponde à nossa época. Ele tem um talento barroco, um sentido poético da roupa, mas têm coisa que não gosto. O Ocimar Versolato também admiro, mas acho que ele ainda não disse tudo o que tinha para dizer. Admiro o trabalho que ele está começando. Mas espero dez anos para dizer se ele é um grande talento.
Folha - O que acha da moda underground?
Rucki - É um fenômeno internacional. Desfiles de moda underground são um festival de erros, mas ao mesmo tempo uma marca de vitalidade muito grande. É normal errar na juventude. Mas é necessário saber que podemos errar. É isso que quero ensinar: o porquê do erro. Ser jovem não é desculpa.

Infomações sobre os cursos e a palestra de Marie Rucki em São Paulo podem ser obtidos junto ao CIT - Coordenação Industrial Têxtil, pelos telefones 011 545-7582 e 011 545 7586.

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