São Paulo, quinta-feira, 14 de julho de 1994
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A força das corporações

É compreensível que uma corporação procure proteger os interesses da classe que representa. Mas, no Brasil, a ânsia de criar regulamentos para quase tudo acaba produzindo exageros e absurdos. E os casos são inúmeros, de jornalistas a atletas. Esta Folha tem criticado, sistematicamente, o corporativismo, inclusive o contido na regulamentação da profissão de jornalista.
Surge agora um novo exemplo dessa obsessão regulatória, o "Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil", há pouco sancionado pelo presidente Itamar.
Na nova lei existem alguns avanços importantes, como a determinação de que a sustentação oral ocorra depois do voto do relator. A medida exigirá tanto por parte dos advogados como dos magistrados que se aprofundem ainda mais no exame do processo. E com isso ganham, obviamente, todos aqueles que estão em busca de justiça.
A peça sancionada, porém, está eivada de um corporativismo difícil de aceitar. A exigência de um representante da OAB para que se efetue a lavratura de auto de prisão, mesmo em flagrante, de um advogado "por motivo ligado ao exercício da advocacia" ou, "nos demais casos", a exigência de comunicação expressa da prisão à seccional da OAB é um privilégio único para uma categoria profissional como qualquer outra. Se o advogado estiver tentando evitar o arbítrio contra um cliente, o princípio é correto; mas a formulação é vaga demais e pode ser invocada por qualquer advogado a qualquer momento.
É óbvio que existem abusos por parte de determinadas autoridades que têm de ser coibidos, mas não é colocando uma proteção para uma determinada classe e deixando o resto da população ao abandono que se resolverá o problema. É preciso, isto sim, punir exemplarmente os abusos, para que a lei seja de fato igual para todos.
Também é grave a imunidade concedida ao advogado, "em juízo ou fora dele", em relação às infrações de injúria, difamação ou desacato cometidas no exercício da profissão. "Em juízo" é até compreensível. Mas "fora dele" significa criar uma casta de supercidadãos, que não respondem como os demais por seus atos.
O corporativismo chega a ponto de prejudicar a própria categoria com a fixação de jornada de trabalho de quatro horas, com horas extras remuneradas com adicional não inferior a 100% da hora normal. Tal medida, aliada à concessão de honorários de sucumbência a advogados empregados fora do regime de dedicação exclusiva, cria uma forte indução para as grandes empresas terceirizarem os seus departamentos jurídicos.
Mais gritante, contudo, é a concessão integral dos honorários de sucumbência aos advogados empregados por quaisquer empresas, exceto os escritórios de advocacia, denominados sociedade de advogados, que poderão acertar com o profissional responsável pelo processo a parte que lhe cabe. Essas medidas, é óbvio, trarão vultosos ganhos para os advogados das empresas estatais, à custa, como sempre, do contribuinte.
É claro que se devem conceder aos os advogados as melhores condições de trabalho possíveis. Mas essa é uma regra que vale também para todas as demais categorias profissionais. No limite, corre-se o risco de o país ter em breve o estatuto dos marceneiros, dos escultores, dos garis e assim por diante.

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