São Paulo, quinta-feira, 14 de julho de 1994
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Ética não tem ideologia

Ao colocar sua posição de candidato a vice-presidente da República à disposição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cabeça de chapa de uma coligação que inclui também PC do B, PPS, PSTU e PV, o senador José Paulo Bisol (PSB-RS) abriu o caminho para encerrar um episódio que é ao mesmo tempo lamentável e exemplar.
Lamentável pela demora de um partido político, o PT, que se acredita campeão da moralidade pública, em tomar uma decisão, qualquer que seja, que os fatos exigem desde que surgiram as primeiras manchas na biografia de Bisol.
O PT enredou-se em uma discussão estéril sobre a suposta legalidade dos atos de que Bisol era acusado, numa frustrada e canhestra tentativa de desviar a questão de seu eixo central. O que estava em discussão, evidentemente, não era a legalidade, mas a moralidade.
Pelos critérios do próprio PT, Bisol cometeu imoralidades. Como juiz no Rio Grande do Sul, beneficiou-se de empréstimos subsidiados. Até mesmo um dos líderes do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh, denunciou a irregularidade contida nesse tipo de benefício, como advogado defensor de um juiz que se opunha à regalia.
Como fazendeiro, o senador gaúcho tomou empréstimos em condições privilegiadas no Banco do Brasil, ato contraditório com a posição do coordenador do programa de governo do PT, Marco Aurélio Garcia, que vem defendendo a eliminação de todo tipo de subsídio no Brasil, na hipótese de o PT vira a assumir a Presidência da República. Empréstimo privilegiado é obviamente uma forma de subsídio.
Como parlamentar, Bisol assinou emendas ao Orçamento que beneficiam uma propriedade sua em MG. O próprio senador, como membro da CPI do Orçamento, condenara tal comportamento com justificada virulência verbal.
Desse modo, Bisol está condenado como parlamentar, como fazendeiro e como juiz, se se utilizar para julgá-lo única e exclusivamente o critério de comportamento moral que o PT diz defender.
É evidente que o julgamento político de Bisol não impede que, no plano jurídico, ele exerça o seu direito de defesa e tente demonstrar que não cometeu ilegalidade alguma. Mas do ponto de vista da moralidade pública, a situação do candidato a vice-presidente é absolutamente insustentável, ainda que a coligação, aparentemente, pretenda mantê-lo na chapa. Pode ser cruel, mas, dos homens públicos, deve-se exigir mais do que se cobra do cidadão comum.
O episódio é também exemplar por deixar claro que essa cobrança por ética na política continua e não poupa setor algum. Até o caso Bisol, os expoentes da esquerda pareciam imunes a críticas sob esse ângulo. Eram atacados por suas propostas ou por seu radicalismo, suposto ou real, mas havia um virtual consenso, mesmo entre os conservadores, de que a esquerda não rouba, para usar uma linguagem bastante crua.
O senador Bisol, inequivocamente um político de esquerda, pode não ter roubado, mas, ao violar a ética que seus próprios parceiros ideológicos tanto cobram e prezam, demonstra que a vigilância da opinião pública não pode conhecer fronteiras ideológicas.

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