São Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 1994
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Medicamento é instrumento de saúde

FRANCISCO DE ASSIS MACHADO REIS

"Todo remédio pode ser um veneno, depende da dose" (Paracelso). Esta máxima perdura há séculos ao lado dos avanços científicos e tecnológicos sem contestação de qualquer profissional de saúde ou cientista que preserve os princípios éticos de Hipócrates norteadores da prática médica "primum non nocere" –antes de tudo não causar dano.
O uso de qualquer substância ativa pode acarretar problemas quanto à segurança terapêutica que resulta em aceitação de risco com possíveis danos, objetivando sempre o bem-estar do paciente. Esses danos podem se manifestar através de reações adversas, efeitos colaterais, efeitos secundários, idiossincrasias e superdosagem relativa e até doenças iatrogênicas.
Por estas razões, a prescrição e a dispensação de medicamentos são atos da maior responsabilidade e requerem profissionais de saúde, médicos e farmacêuticos, preparados para o seu exercício.
Ao editar a medida provisória nº 542/94, que dispõe sobre o Plano Real, o governo Itamar Franco enveredou pelos descaminhos da irresponsabilidade ao permitir a venda de medicamentos em supermercados, armazéns, empórios etc.
Além de ferir a legislação sanitária, ao alterar a lei 5.991/73, este ato provocará mais danos à combalida saúde do povo brasileiro. Adotou a lógica simplória de que quanto mais "pontos de venda" houver, maior concorrência, portanto, mais baratos os preços, confundindo medicamento com cachaça, refrigerante, sabonete ou outra mercadoria qualquer.
A imprensa divulgou que por duas vezes o Ministério da Saúde foi vencido ao objetar tal medida. Lamentamos que o ministro Santillo não tenha provado aos seus pares da área econômica e ao próprio presidente que medicamento é um instrumento de saúde da maior importância e que por esta razão tem de ter legislação específica.
Há de se lamentar que este mesmo presidente editou em 6 de abril de 1993 o decreto 793/93 que introduz os medicamentos genéricos, instrumento capaz de promover a competição entre os laboratórios produtores e baixar os preços. Além disso o decreto trata de outras medidas que disciplinam o comércio de medicamentos, assegurando ao consumidor o direito à informação e orientação adequadas sobre seu uso.
Em todos os países, os genéricos promoveram redução de 40% a 50% nos preços dos medicamentos. Essa redução foi capaz de mudar o mercado norte-americano dando a este segmento um terço do faturamento anual. Razões idênticas levaram a igual crescimento em outros países (ver tabela), conforme dados do Seminário Internacional sobre Medicamentos Genéricos realizado em março de 93 pela OMS, Opas e Ministério da Saúde do Brasil.
Este seminário contou com a presença de altas autoridades do governo brasileiro, inclusive da área econômica, e teve como resolução a implantação dos medicamentos genéricos no país.
Apesar de o Ministério da Saúde não ter providenciado a divulgação dessas conclusões, o governo não pode alegar desconhecimento dos dados ali apresentados por "experts" nacionais e internacionais, pois que, reitere-se, era promotor do evento e endossou as resoluções tomadas.
Na verdade, a leitura que fazemos desta aberração sanitária é que o governo curvou-se à lógica mercantilista que perpassa todas as atividades sobre medicamentos no Brasil.
Recomendamos ao presidente que cumpra e faça cumprir o decreto que assinou. Não obstante a grande quantidade de liminares que a indústria farmacêutica obteve em primeira instância, o Superior Tribunal de Justiça cumpriu seu papel social suspendendo os efeitos das liminares numa prova de sensibilidade e de justiça. Que o Executivo cumpra o seu, determinando ao Ministério da Saúde que implemente sem hesitações o decreto 793/93.
Se supermercado fosse solução para resolver problemas de preço, o presidente e o ministro da Fazenda não precisariam pressioná-los a recuar nos aumentos abusivos praticados durante o Plano Real.
Só resta ao presidente uma única atitude coerente neste momento: reeditar a MP 542 extirpando os artigos 51 a 53. Caso contrário, caberá ao Congresso assumir a responsabilidade de revogar mais este atentado à saúde pública e ao consumidor.

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