São Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 1994
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Para Parreira, Itália não vai surpreender

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A LOS ANGELES

O técnico Carlos Alberto Parreira disse ontem que não acredita em surpresas da Itália no domingo, contra o Brasil.
Para ele, a equipe do técnico Arrigo Sacchi jogará do mesmo modo como fez até agora: na defesa e em contra-ataques.
Mais: descrê em marcação especial sobre os atacantes Bebeto e Romário, que jogaram com liberdade anteontem, na vitória de 1 a 0 contra a Suécia.
A final da 15ª Copa do Mundo vai apontar o primeiro tetracampeão da história do futebol.
Em 1970, no México, as seleções disputaram a decisão –da qual sairia o primeiro tricampeão. O Brasil venceu por 4 a 1.
O jogo de domingo será às 12h30 (16h30 em Brasília) no estádio Rose Bowl, em Pasadena, cidade na região de Los Angeles.
Parreira acha que, vencendo ou perdendo no domingo, deixará sua marca no futebol brasileiro: a necessidade de "organização" de um time de futebol.
No começo da próxima semana ele chega ao Brasil, de onde se mudará para a Espanha. Vai dirigir o Valencia.
A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu ontem.

Folha - Qual a diferença entre a Itália, adversário da final, e a Suécia, da semifinal?
Carlos Alberto Parreira - A Itália é um time mais técnico. Tem jogadores que decidem. O Baggio (Roberto, atacante), está em fase boa, é perigoso. A seleção italiana é melhor do que a sueca.
Folha - Na Copa de 70 o senhor era um dos preparadores físicos da seleção brasileira. Como vê o reencontro de Brasil e Itália numa final?
Parreira - Acho que a tradição pesou muito nesta Copa e vai pesar na final. Temos que jogar mais arrumadinhos porque eles têm jogadores que desequilibram.
Folha - Qual é a maior qualidade italiana?
Parreira - Ela marca muito bem. O futebol italiano é muito forte na marcação. A seleção se fecha muito bem e contra-ataca. É preciso que fiquemos espertos.
Folha - O senhor espera alguma surpresa do técnico adversário, Arrigo Sacchi?
Parreira - Nenhuma. Não espero surpresa. A Itália não terá surpresas no domingo. O mais importante é nos preocuparmos conosco. Venham como vierem, vamos encará-los de qualquer modo.
Folha - A Itália vai jogar com a zaga reserva –o último titular, Costacurta, está suspenso. Será uma vantagem para o Brasil?
Parreira - Por quê? Nós também estamos com a zaga reserva – Márcio Santos e Aldair. Não se esqueça de que os titulares eram Ricardo Rocha e Ricardo Gomes.
Folha - Os atacantes Romário e Bebeto tiveram muita liberdade para jogar contra os suecos. O senhor acredita que contra a Itália vai ocorrer o mesmo?
Parreira - Não creio que os italianos vão marcá-los individualmente, homem-a-homem. Até agora marcaram por zona.
Folha - A seleção italiana depende tanto de Baggio como a brasileira depende de Romário?
Parreira - Não vejo a questão assim. É verdade que Romário tem definido os jogos, tem marcado gols quando precisamos. Mas é preciso ver que há outros jogadores importantes, que param os adversários. Cada jogador está realizando bem sua função.
Folha - São parecidos os estilos de Romário e Baggio?
Parreira - São dois jogadores habilidosos, técnicos, matadores. Mas jogam de maneira diferente. O importante é saber que os dois podem decidir o tetracampeonato em jogadas individuais.
Folha - O senhor tem sido muito criticado desde que reassumiu a direção da seleção brasileira, em setembro de 1991. É uma vitória pessoal a classificação para a final da Copa?
Parreira -As críticas nunca me abalaram, nunca me tocaram. Fui atacado por decisões táticas e técnicas, me chamaram de burro, num nível baixo. Sei que sou competente e não preciso provar.
Não cheguei à seleção brasileira de pára-quedas. Não é agora que vou baixar o nível para polemizar.
Folha - O que o irrita mais?
Parreira - Esta é a minha quinta Copa do Mundo, fui a duas Olimpíadas. Não vai ser uma socialite, um comediante ou cantores de rock que vão dizer o que eu devo fazer. Não são eles que vão mudar a minha cabeça.
Sempre gostei de enfrentar desafios, cresço nessas horas. Nunca me entreguei. Uma das minhas maiores qualidades é nunca me entregar. Sei enfrentar muito bem situações como essas.
Folha - O senhor tem consciência de que o desempenho da seleção não entusiasma muitos torcedores brasileiros?
Parreira - Tenho plena consciência disso. O problema é que, na cabeça dos brasileiros, ainda há sonho com o futebol que se praticava há 30 anos. As pessoas não conseguem entender que não há mais craques que desequilibram partidas como antes.
Folha - Ganhando ou perdendo no domingo, que contribuição o senhor acredita que deixará ao futebol brasileiro?
Parreira - A de mostrar a necessidade de se organizar uma equipe. Quando só nós tínhamos craques que desequilibravam, podíamos jogar desorganizados que acabávamos vencendo de qualquer jeito. Agora, não.
Jogadores como Jorginho são ótimos, mas não temos nenhum fora-de-série. É preciso encarar a realidade e parar de sonhar.
Folha - Nos seis jogos que o Brasil fez no Mundial, a equipe voltou correndo mais do que a adversária depois do intervalo. O que o senhor costuma dizer lá aos jogadores?
Parreira - Acho que é preciso ressaltar que tivemos melhor preparo físico do que os outros. Isso mostrou o acerto do nosso plano de trabalho.
Seleções como a colombiana e a norte-americana se prepararam para a Copa apenas jogando. Reuniram-se e começaram a jogar.
Nós, ao contrário, paramos o time quase 20 dias só para treinar. Demos ênfase à preparação física. Só então realizamos três amistosos, contra Canadá, Honduras e El Salvador. É impressionante como fomos criticados nos três. As pessoas não entendiam que as partidas serviam para pegar ritmo.
Folha - Mas, afinal, o senhor não tem nenhuma contribuição ao ânimo do time?
Parreira - Não é assim. Mas o único jogo em que gritei mais, em que tentei empolgar mais os jogadores no intervalo, foi contra os Estados Unidos. Fomos para o vestiário com um jogador a menos, por causa da expulsão de Leonardo (lateral-esquerdo), com a partida empatada em 0 a 0.
Então falei aos jogadores: 'Agora não há mais tática ou técnica, é uma estrada sem volta. Se perdermos estamos fora'.
É preciso botar o coração para jogar, mas sem perder em nenhum minuto a cabeça.
Folha - Que qualidade o senhor destaca como decisiva para o Brasil conquistar o tetracampeonato no domingo?
Parreira - O algo mais que a seleção brasileira pode ter é a vontade. Temos tido, mas no domingo será um aspecto mais fundamental do que nunca.
Folha - O senhor disse antes do Mundial que só nas últimas partidas a seleção chegaria ao seu auge. Já chegou?
Parreira -Acho que sim, na vitória de 3 a 2 contra a Holanda, nas quartas-de-final. Foi um jogo excelente da equipe. Foi o time eficiente de que falei desde o começo da preparação para a Copa.
Folha - Mas a seleção não repetiu a atuação contra a Suécia na semifinal.
Parreira - Foi porque não precisamos pisar no pedal e acelerar. Se precisássemos, pisaríamos. Chutamos 29 vezes a gol, foram nove chances reais, só não vencemos por diferença maior porque erramos finalizações.
Folha - O meia Zinho jogou mais no ataque contra a Suécia do que nas cinco partidas anteriores. Isso vai se repetir na final de domingo?
Parreira - Ele saiu para o jogo porque a Suécia só se preocupou em defender. Ficou na retranca. Contra a Itália, temos que ter mais cuidados porque é uma equipe mais perigosa.
Folha - O senhor temeu em algum momento a eliminação do Brasil contra a Suécia?
Parreira -Claro que não. Em nenhum momento fomos ameaçados. A equipe teve tranquilidade para buscar o gol, até ele sair. Soubemos neutralizar a única jogada que os suecos têm para marcar, as bolas altas.
Criamos todas as situações de gol. Controlamos a partida. Eles colocaram nove jogadores embaixo do gol. O 1 a 0 não traduziu a supremacia que tivemos. Foi com tranquilidade, sem sustos, que chegamos de novo a uma final de Copa depois de 24 anos.
Folha - O Brasil melhorou em relação ao empate com os suecos em 1 a 1 na primeira fase do Mundial?
Parreira - Não é possível comparar. Na primeira fase as duas equipes já estavam classificadas para as oitavas-de-final. Foi um amistoso. No segundo jogo, dominamos completamente e só não goleamos porque não tivemos sorte nas finalizações.
Folha - Que análise o senhor faz sobre a Copa?
Parreira - Não houve novidades táticas e isso não é surpresa para mim. Desde antes eu previa que não se inovaria nessa área. Foi o que vimos. Acredito que o futebol melhorou devido ao novo comportamento dos árbitros.
Folha - Qual foi a principal mudança?
Parreira - O tempo de bola corrida. No Mundial da Itália, há quatro anos, a média de bola em jogo foi de 45 minutos. Agora subiu para 60 minutos. É uma grande diferença. A proibição de o goleiro pegar com as mãos bolas atrasadas com os pés foi muito importante.
Folha - E quais foram as maiores surpresas?
Parreira - A eliminação da Alemanha nas quartas-de-final para a Bulgária nos surpreendeu. Estávamos nos preparando para fazer uma final com eles. Tivemos observadores acompanhando e analisando suas partidas.
A saída dos alemães e de seleções como a da Argentina mostram que o futebol está mais nivelado. As distâncias diminuíram. Quem não entender isso vai continuar cobrando vitórias que hoje não são mais possíveis.

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