São Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Roteiro e presença de Jodie Foster são os pontos fortes de "Maverick"

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Filme: Maverick
Produção: EUA, 1994
Direção: Richard Donner
Elenco: Mel Gibson, Jodie Foster, James Garner
Onde: Marabá, Liberty, Morumbi 5, Interlagos 2

"Maverick" ilustra à perfeição a diferença entre um filme bem escrito e um bom filme. O roteirista tinha, no caso, uma missão difícil: evocar a personalidade de Bret Maverick –jogador e aventureiro razoavelmente sem caráter que fez fama na série de TV dos anos 50 e 60– e reunir todas as variáveis de seu tipo em uma única história.
William Goldman foi o que se pode chamar de escolha certa. É um bom escritor e tem a capacidade de criar situações mirabolantes, sem perder o humor. Daí "Maverick" ser um filme com ótimas tiradas (sobretudo verbais).
No mais, vem do roteiro a idéia forte do filme, que imita o pôquer: tudo consiste em um jogo de aparências, em que ganha quem tiver a capacidade de iludir o outro, de impor uma aparência em um mundo sem verdades. A proliferação de escroques ao longo do filme é indicativa dessa direção.
Mas um roteirista tem seus limites. Cabe ao diretor e ao produtor (no caso, Richard Donner tem as duas funções) discernir qual a parte da aventura e qual a do humor, escolher entre realizar uma comédia ambientada no Oeste ou um faroeste com humor. É sua função específica: estabelecer diretrizes, direções, privilegiar linhas.
Em "Maverick", por facilidade ou insegurança, o humor toma conta do conjunto e aparece a três por dois, impõe sua lei. Com isso, cria-se um desequilíbrio no conjunto: era evidente que a aventura devia levar o filme, com o humor entrando de tempos em tempos (o que acontece em "Butch Cassidy", de 1969, dirigido por George Roy Hill e que deu o Oscar de melhor roteiro a Goldman).
Donner também fracassa na direção de Mel Gibson, que faz Bret Maverick. Responsável pela maior parte das tiradas cômicas, com frequência Gibson conta a piada e ri. Parece menos Maverick, um herói pouco convencional (o que era mais claro na série de TV; mas ainda hoje essa é sua marca distintiva), e mais o Terence Hill dos filmes de Trinity.
Como a questão das aparências (no jogo de pôquer, o blefe) é o centro do filme, e como Maverick é, basicamente, um ótimo jogador, a falha na composição do ator afeta todo o conjunto.
Isso não significa que tudo esteja perdido. Nada está perdido quando Jodie Foster, iluminada como de costume, está em cena. Ela faz a ladra Annabelle Bransford, que conhece Maverick, quando este ainda tenta obter os US$ 3.000 que lhe faltam para entrar em um grande jogo de cartas. Também James Garner (o Maverick da série de TV, aqui um homem da lei) e James Coburn (o dono do barco em que acontece o grande jogo) estão muito bem.
Como a produção é exuberante e a fotografia de Vilmos Zsigmond tem um sentido de atmosfera notável, o espectador tende a passar batido pelos defeitos de "Maverick", ao menos enquanto está assistindo ao filme.
Mas depois que sai da sala fica a impressão de algo que poderia ter ido muito mais longe do que foi. Em particular porque o jogo de aparências proposto pelo roteiro (e a visada sobre um mundo dominado pela ganância e pela trapaça que sugere) é engolido pela direção: o que era um pensamento consequente dispersa-se por efeito de uma direção em que o oportunismo triunfa sobre o pensamento. Em todo caso, deu certo: "Maverick" emplacou nos EUA e deve repetir o sucesso por aqui.

Texto Anterior: Nova música surge da falsa espiritualidade
Próximo Texto: 'Acertanto as Contas' peca por ser óbvio e moralmente correto
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.