São Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 1994
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Cozinha brasileira tem afinal seu reconhecimento

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fiquei fascinada com a crítica feita a um restaurante brasileiro que apareceu na revista norte-americana "International Gourmet". Foi escrita pela famosa e lúcida Mimi Mofarrej, dona de uma opinião que vale ouro na cena gastronômica local.
'Recentemente, de 1992 para cá, vários chefs conhecidos, trouxeram para a comida de São Francisco, a nota sapeca e criativa, a intimidade com a comida sul-americana, tão típica de Los Angeles. Estes talentosos chefs e suas idéias muito novas, intrigaram um pouco o público, até que Maúcha e Clóvis Manoto abriram o Green Parrot. O Green Parrot não poderia ter chegado em hora melhor.
Numa cidade ainda traumatizada por uma sequência de desastres naturais, as pessoas querem lugares sérios para comer, que valorizem mais a substância do que o espetáculo, enfim, que ofereçam ótima comida com preços razoáveis –coisa a que o pessoal de São Francisco está acostumado.
O Green Parrot oferece tudo isso, num lugar sofisticado na sua extrema simplicidade. As paredes são caiadas de branco, as janelas azuis e o chão de táboas largas, lavadas. As mesas têm toalhas de linho, um pequeno arranjo de flores silvestres e as cadeiras confortáveis, com o assento de palha de banana trançada. Os quadros na parede, enormes e vívidos, do artista paulista Aguilar, e não se escuta 'Garota de Ipanema', mas um fundo com as Baquianas.
Mais tarde, com todas as mesas cheias, percebe-se que os clientes estão lá para comer e não para verem e serem vistos. É fácil saber o porquê. O casal Manoto, brasileiro, do Rio de Janeiro, ambos com menos de quarenta anos, já correram o norte e o sul do Brasil e mais meio mundo. Sua comida é leve, criativa, cheia de novidades. Molhos picantes e pratos sem design especial, mas extremamente cuidados, frescos e saborosos.
Entre as entradas mais interessantes estão as de camarão sete barbas, fritos com casca em pouca gordura, crocantes e secos, servidos com um dip de tomate picante, cheio de brilho e sabor. O caldo de feijão, com pedaços de lagosta e cro–tons por cima, numa 'cumbuca' mínima, rende umas seis colheradas e prepara o estômago para tudo que há de vir.
Simpaticíssima a pequena torta de galinha, 'empadinha', com massa que se desfaz na boca e recheio cremoso, sobre uma cama de agrião e rúcula. É interessante, que nós americanos, que nos orgulhamos de nossas tortas jamais tenhamos tido a idéias de fazê-las, assim minúsculas.
Já que estou dando notas, é um dos poucos restaurantes da cidade que sabe lidar com um lombo de porco. A carne, macia e bem temperada, vem acompanhada por um purê de marmelo, levemente ácido ou um gratin de batata doce, ou ainda um espinafre picadinho, preparado à moda portuguesa como um esparregado.
Mas, se você não come porco, não se preocupe. Nada igual ao pato ao tucupi, num molho totalmente exótico. E Maúcha Manoto, sabe lidar com peixe. Desde os 'amusegueules', de entrada, piabinhas passadas no fubá e fritas, ou o pintado assado na brasa, ou o bacalhau (servido aos domingos), até a especialidade amazonense de postas de tambaqui com farofa.
A farofa é um acompanhamento que se repete até que o paladar estranho a ela aprenda a apreciar seu gosto sutil e a consistência granulosa. Vicia.
Os sorbets de manga e caju rivalizam com a sobremesas barrocas, quase todas à base de ovos e coco, com evidente influência portuguesa. A minha sobremesa preferida é servida em prato fundo, para ser comida de colher. Leite com uma colherada de 'guava jam', cascao, com pedaços da casca de fruta. Logo o leite se adoça e fica tingido de rosado, com o típico sabor da fruta.
Para uns poucos entendidos, já adeptos e conhecedores, a pedida é farinha de mandioca regada com um leve fio de melado, doçura cortada logo pelo café preto servido em pequenas xícaras."
Não dá orgulho ver a comida brasileira tratada como gente, lá fora? Tratada como a chinesa, a indiana, a tailandesa... Reconhecida, afinal.
Que mentida, que lorota boa, que mentira, que lorota boa... Ora, peguei vocês direitinho. Não existe o Green Parrot, nem o formidável casal. Mas, confessem que sentiram uma ponta de alegria ao ver o nosso gosto reconhecido na audaciosa São Francisco?
Uma complacência para com estes americanos que só agora haviam descoberto o que era bom? Juro, tenho certeza, que no dia em que a cozinha brasileira entrar na moda em outro mundo, sair nas revistas, invadir a mídia, seremos os segundos, com muito orgulho, a enxergá-la com bons olhos, a reconhecê-la com orgulho, e a adotá-la integralmente, como nossa.
Ah, mas que pena ser preciso este caminho torto... Na realidade cabe a nós levar para eles a boa nova, e não esperar que ela chegue aqui falando inglês e francês.

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