São Paulo, sexta-feira, 15 de julho de 1994
Texto Anterior | Índice

O desemprego e o cachorro

JOSÉ SARNEY

A Europa e os Estados Unidos anunciam que chegaram à cifra recorde de 25 milhões de desempregados. O Grupo dos Sete considera que isso é um "shoemaker" contra suas economias, capaz de gerar ondas sísmicas desestabilizadoras.
Pensam em soluções e já sabem que o problema não é conjuntural, e sim estrutural. Ele está na raiz da economia de mercado, cuja lei fundamental é a concorrência, a busca de menores custos e melhores produtos. Para isso são necessárias a pesquisa científica e tecnológica, cujo caminho passa pela descoberta de novos materiais mais baratos e a automação, que libera mão-de-obra e seus custos sociais.
Ora, tanto uma coisa quanto outra cria desemprego, sendo que a primeira é mais cruel, porque nas duas pontas. Novos materiais e compactação significam menor consumo de matéria-prima, a maioria das vezes importada de países subdesenvolvidos. O desemprego, nesse caso, é no país rico e no país pobre, sem falar da constante baixa de preço dessas matérias-primas, causada por sua substituição por outros materiais.
Mas no Brasil o problema é ainda um pouco diferente. É verdade que o desemprego aqui, ainda em grande parte conjuntural, vem da recessão. Mas também é verdade que já entramos na área do desemprego estrutural.
O enxugamento das empresas, a racionalização dos serviços, a modernização do Estado, a reforma administrativa, providências tão necessárias à entrada do país no século 21, levam à liberação de mão-de-obra, leia-se, desemprego. Assim, temos coisa mais grave: recessão mais crise estrutural.
A campanha presidencial não pode enfrentar esse debate com leviandade, no anúncio de soluções impossíveis, para um problema tão complexo. Vejo dizerem "vamos criar 10 milhões de empregos", e a réplica é "e eu 12 milhões". Ora, esses números são irreais, até para se produzir toneladas de trigo.
O emprego, na situação em que nos encontramos, passou a ser não um direito constitucional, mas um privilégio. Trabalhar é difícil, mais difícil do que viver. E para encontrar fórmulas de melhorar essa situação é necessária a abertura de novas áreas da economia, para absorver os jovens que chegam ao mercado de trabalho e aqueles que são atingidos pela guerra da concorrência e dos ajustamentos. E, também, promover-se uma mudança política importante.
O trabalho e o capital não podem mais se relacionarem na base de inimigos. Eles têm de buscar uma política solidária, fórmulas de consciência pacífica, sob pena de chegarmos àquela piada, que se conta sobre os aviões do futuro.
Na cabine, somente o comandante e um cachorro. Vem a pergunta: "Por que o cachorro?" E a resposta cruel, da vitória da máquina sobre o homem: "Para que o comandante não mexa nos aparelhos de bordo!"

Texto Anterior: Sobre "coisas menores"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.