São Paulo, sábado, 16 de julho de 1994
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Globo incorpora os preconceitos da Aids

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

Você decide: vai ser solidário ou preconceituoso? Foi com esta pergunta que Raul Cortez pôs anteontem o espectador do "Você Decide" contra a parede. A Globo faz coisas incríveis. Neste episódio sobre a Aids, conseguiu ser ao mesmo tempo solidária e preconceituosa.
Solidária porque, afinal, decidiu tratar do tema e exercer sua privilegiada função de serviço público. Preconceituosa porque incorporou os medos do espectador médio e virou um desserviço.
Para começar, além de bonitão, bem-sucedido e esportista em época de Copa, o soropositivo do programa era "muito macho". Bom, que a Aids não escolhe preferência sexual, o espectador já sabe ou deveria saber.
A um desejo de identificação mais rápida com qualquer público, também se poderia atribuir a escolha de tal personagem (o campeão de vôlei Tuca, interpretado por Eduardo Moscovis). Mas por que, afinal, o treinador da equipe de vôlei insiste em chamar de "maricas" ou "donzela" o jogador amedrontado?
Essas falas do treinador (Paulo Cesar Grande) criam uma confusão que não diz a que veio. Se por um lado a Globo diz: a Aids pode pegar qualquer um. Por outro afirma: tem que ser muito macho para enfrentar a doença.
Foi muito pouca informação e muitos preconceitos pra lá de arraigados como esse que a Globo mostrou neste "Você Decide". A cena em que o campeão se esborracha na quadra, sangra, e "teria contaminado seu colega?" além de inverossímil era desnecessária. Ninguém precisa ver sangue para ter medo da Aids.
Ao fim do programa, o número de espectadores "solidários" foi cerca de quatro vezes maior que o de "preconceituosos". O apresentador disse que esperava que essa diferença fosse "real no coração". Preconceito se vence com informação, não com coração. Torcer por um herói é muito fácil, principalmente quando ele podia se chamar Romário.

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