São Paulo, sábado, 16 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Voluntário fala em sentimento de 'impotência'

JOSÉ RICARDO BRANDÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE GOMA

Depois de três meses trabalhando com refugiados em Ruanda e, nos últimos dois meses, envolvido em diversos projetos no Zaire, com os Médicos Sem Fronteiras (Holanda), não acreditava poder vivenciar algo tão avassalador.
Ao voltar de uma visita rotineira ao Alto Zaire, onde temos um projeto contra a peste bubônica, tive a surpresa de encontrar uma colega de equipe numa das escalas do avião. Ela voltava às pressas a Goma. Razão: desde a noite de 13 de julho, uma enorme multidão de ruandenses vinha cruzando a fronteira em direção ao leste do Zaire, fugindo do avanço da FPR.
Número estimado de refugiados inicialmente: 60 mil pessoas. Em poucas horas perceberíamos que este número está bem mais próximo de 300 mil a 400 mil.
Já perto de Goma, começamos a perceber o tamanho da catástrofe. Do avião via-se uma enorme massa de pessoas "acampada" próxima à estrada que liga Goma a Rutshuru (por sinal, construída por brasileiros).
Na chegada ao aeroporto, além dos já costumeiros franceses da Operação Turquesa, que tem sua base lá, a incrível realidade de uma cidade de cerca de 150 mil pessoas que teve a sua população triplicada em menos de 24 horas.
Absolutamente tomada, com todas as ruas, praças e terrenos repletos de uma população assustada, com trouxas de roupa e alguns pertences que foram salvos.
A alegria das crianças pequenas, provavelmente entusiasmadas com a mudança, não atenua a imensa sensação de tristeza e impotência que se apodera de nós.
Minha mulher, ainda sem um papel definido no projeto, coloca-se à disposição para fazer algo. É sua primeira reação. Os pedidos de envio de medicamentos chegam a algumas toneladas.
A montagem de hospitais de urgência começou ontem no campo de futebol, onde aglomeram-se cerca de 15 mil pessoas, com o mesmo número ao redor. Vários outros se seguirão. Água e abrigo são prioridades. É preciso trabalhar duro para amenizar esta triste página da história.
Sem fronteiras
Médicos Sem Fronteiras é uma entidade não-governamental criada para prestar assistência médica a populações necessitadas, particularmente em momentos de urgência. Foi fundada em 1971, na França, e tem hoje sete seções.
Pautando-se por uma estrita política de neutralidade e independência (seus fundos provêm 50% de ajuda governamental e 50% de doadores privados), ela tornou-se conhecida pela presença em ambos os lados dos conflitos e por sua resposta rápida e flexibilidade.
Presente em dezenas de países e com alguns milhares de voluntários, entre médicos e outros profissionais de apoio, a organização tem também advogado pelos direitos humanos, procurando denunciar as violações que presencia.

Texto Anterior: Guerrilha mata 24 soldados na Colômbia
Próximo Texto: Berlusconi aposta cargo contra prisão de suspeitos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.