São Paulo, segunda-feira, 18 de julho de 1994
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Arrested Development é antídoto ao "gangsta"

MARCEL PLASSE
DA REPORTAGEM LOCAL

Disco: Zingalamaduni
Grupo: Arrested Development
Gravadora: EMI
Preço: R$ 18,00 (o CD, em média)

O afrocentrismo de "Zingalamaduni" (colméia da cultura, em swahili), terceiro disco do Arrested Development, quer ser o antídoto para os palavrões, tiros e violência do "gangsta" rap.
Em nenhuma faixa se ouve a palavra "niggas" (gíria equivalente a "negões"), que o rapper Speech considera ofensiva, como quem aprendeu a lição com Malcolm X. Speech prefere o termo "afrikans" para designar seus "manos pretos".
A utilização de batidas africanas reforça a distância da paisagem urbana –Nova York ou Los Angeles–, que costuma servir de fundo para a matança e ofensas do hardcore "gangsta".
A palavra mais dita no rap de inspiração rural do Arrested Development é terra. A solução para os conflitos do mundo, segundo a faixa "Ache'n for Acres", está num pedaço de terra.
A segunda palavra mais dita é união. "Não é branca, não é preta, mas consciente", a união definida na letra de "United Minds".
O homem veio da África –fato científico. Logo, somos todos "brothas" (manos) e "sistas" (manas).
As palavras do rapper Speech são reforçadas pela intervenção conceitual do guru do grupo, Baba OJE, que interpreta um locutor de FM ao longo do disco.
A faixa de abertura, "WMFW"("we must fight and win", precisamos lutar e vencer), dá nome à FM fictícia, que promete uma programação com o ABC da música negra revolucionária, de Bob Marley a Public Enemy.
Qualquer semelhança com o DJ Love Daddy, personagem do filme "Faça a Coisa Certa", de Spike Lee, é mais do que coincidência.
As marcas musicais do Arrested Development –combinação de instrumentos tocados, principalmente piano, com "samples" e o rap melódico de Speech– permanecem inalteradas.
Passados o "frisson" com a estréia do grupo em 1992, no LP "Three Years, Five Months and Two Days", e a frieza que cercou o lançamento do disco "Unplugged", no ano passado, Arrested Development não surpreende mais, nem decepciona.
Às vezes, lembra De La Soul, como em "Africa's Inside Me"–parece "Take It Off" do De La Soul.
"Zingalamaduni" não é um marco na história do rap, como alguns pretendem que o disco de estréia tenha sido. O rap afrocêntrico já tem esse marco em "Done by the Forces of Nature" (1989), dos Jungle Brothers.
Speech está mais experiente. Entre os discos do Arrested, produziu o álbum de estréia do grupo Gumbo. As "beats" dançantes e "jazzy" do Gumbo vieram de contrabando.
A hipnótica faixa "Shell" é praticamente um "trance", que usa voz humana no lugar dos sintetizadores "techno".
O clima de festa passa por todo o álbum. "A festa está oficialmente iniciada", introduz a faixa "United Minds", com um refrão hippie reminiscente de John Lennon –"power to the people".
A maioria das faixas usa o recurso das palmas para acentuar a batida –truque com tarja "anos 70" estampada.
O jazz-soul-rap "United Front", que condena a violência do preto contra o preto, é o mais forte candidato a "hit".
Os "samples" sacam de Isaac Hayes (a faixa "Kneelin' at My Altar"), George Clinton (a faixa "Easy My Mind") e artistas africanos. Mas, de modo geral, a grande inspiração do disco é o afrocêntrico Stevie Wonder.
O único momento embaraçoso surge em "Warm Sentiments", onde Speech condena a namorada que fez um aborto sem lhe falar –sobre a base de "Look What You've Done to Me", de Al Green, e choro "kitsch" de bebê.
Speech pode ser politizado, mas seu afrocentrismo ainda contém uma forte dose de machismo.

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